24 Junho 2009
Son – Viella
Estranhamente acordei à hora do costume, mas o corpo estava dormente e a
cabeça não se encontrava nas melhores condições, pedindo árduo trabalho
para conseguir discernir os meus pensamentos durante aqueles primeiros
minutos.
A boca encortiçada pedia água com urgência.
A noite de ontem tinha deixado marcas.
Em Yon e Hiker a tola latejava de igual maneira. Gosom ainda dormia na sua estreita tarimba.
Meia hora depois e de banho tomado começamos a recuperar e com a
ingestão de um calórico pequeno-almoço – que inclui as bem ditas fatias
enormes de pão tostado, barradas com alho, azeite e tomate para depois
serem cobertas de fatias de enchidos e queijo – a coisa foi melhorando
significativamente. Comi que nem um abade. O corpo bem o pedia e eu
dava-lhe!
Obstante o potente desayuno, encontrei alguns problemas para manter o
equilíbrio durante as primeiras pedaladas através do Cami del Calvari.
Mas da mesma forma que tinha acontecido ainda há pouco, o corpo lá foi
recordando como andar de bike e em menos de nada estava como se nada
tivesse passado, fluído e ágil como sempre.
Felizmente, porque o que se ia mostrando era realmente de grande
qualidade. Um sendero que se perdia por dentro da zona baixa do Bosque
Negro e que pedia muitíssimo da técnica, com curvas a 180º com uma
inclinação razoável e bastantes pedras a impedir uma passagem mais
bruta. Algo de muito precisoso. O melhor single-track de todo o
trajecto.
No final deste Cami del Calvari entrámos numa outra zona. Num bosque
muito bonito, de nome Bosque del Gerdar e que por ser Reserva Integral
não é permitido circular de bicicleta. O pequeno percurso é feito a pé e
a coima por desrespeito pode chegar aos 600€ – e os guardas estavam
mesmo lá que eu vi.
Vai da consciência de cada um, mas independente disso, torna-se uma
petição fácil de cumprir já que o trilho apresenta um elevado grau de
dificuldade e não será exequível a qualquer um.
A paisagem envolvente é digna de ser plenamente apreciada, vale bem o curtinho passeio pedestre!
Á saída de Son…
No inicio da jornada pelo Cami del Calvari…
No Cami del Calvari! Soberbo, fantástico, precioso... Descida alucinante…
Ainda no Cami del Calvari, todo ele ciclável haja a perícia necessária…
Na ponte de Barranco de Cabanes…
Barranco de Cabanes…
Bosques de Piño Nero – Pinheiro Negro
NÃO CICLAVEL. É reserva Integral! Há que respeitar…
Plaza Major de Sorpe…
Quando o single-track que nos carregava desde Sorpe termina, entra-se
numa estrada que sobe gentilmente pela encosta da montanha. O asfalto
permite-me uma cadência que até ali ainda não tinha conseguido atingir,
permitindo deste modo um avançar suave e sem grandes martírios ao longo
de um pequeno rio que descia vale abaixo, revolto e gelado…
Essa linha cinza e esguia levar-me ia a passar por Isil e daí até Alós
d’Isil, lugar onde tinha programado uma paragem mais longa para almoço.
Os Bascos esses, já deviam estar quase a chegar a Alós d’ Isil, onde eu
chegaria 30 minutos depois.
A estrada mantinha-se à fresca, resguardada sob a copa das frondosas
arvores que se penduravam nela desde a encosta. Foi uma subida de 6kms
que fiz sem pressa, degustando cada novo sabor do rebuçado que trazia na
boca desde que chegara a Viella, alguns dias antes…
Ainda estive para tomar uma banhoca, mas estava fria…
Alós d’Isil…
Almocei aqui, em Alós d’Isil, o pic-nic que trouxera da casa Masover.
Acabei por dar uma voltinha pelo largo, fazendo com que um senhor que
descansava na varanda de sua casa se tenha interessado de minha figura.
Falou-me em Aragonês…
Foi como se tivesse falado em russo!
No castelhano mais correcto que consegui encontrar expliquei-lhe
cordialmente que não tinha entendido nada do que me havia dito, que era
português e que se queria falar comigo só em castelhano mesmo…
Riu-se e depois tentou de novo, mas num castelhano ainda pior que o meu – se isso é possível.
Perguntava-me se estava fazendo a “Ruta” – A Pedals de Foc, entenda-se –
e depois de alguma conversa acaba por me aconselhar a não ceder à
vontade de descer directo para Viella e seguir para Bagergue, que
valeria bem o desvio.
Ora, já contava mesmo em ir por Bagergue! – Com mais esta dica, não falharia de certeza!
Acabei por saber que já tinha feito várias vezes aquela volta, umas de
bicicleta, outras a pé (!). Nunca por lazer, mas sim por necessidade de
se deslocar de um sitio para outro por qualquer razão. Também fiquei a
saber que o seu mau castelhano era devido a quase nunca usar a língua,
apenas Catalão e o dialecto da sua terra, o Aragonês.
Para Bordes d’ Isil foram só mais 8km de subida leve e em óptimo piso.
Um estradão largo de chão compacto e poeirento ascendia devagar pelo
vale. Sempre ladeando o rio o que fazia com que a temperatura andasse
muito perto da ideal, minimizando a tarefa de pedalar com o sol a pino
por cima da cabeça.
Tranquila e majestosa subida para Bordes d’ Isil…
Com as vistas sendo progressivamente “maiores”…
Um descanso…
Passeando por Bordes d’Isil…
Foto tirada a pedido a um casal de namorados…
Seguindo viagem acabo entrando rapidamente no Vall d’ Aneu, majestoso e único.
O objectivo era agora o antigo Santuário de Montgarri, um dos ex-líbris
da região e que por essa razão atrai muitos visitantes. Está situado já
dentro da espaço da reserva natural de L’Alt Aneu e é uma construção
Gótica que data do século XiV e que mais tarde foi recuperado pelos
Amics de Montgarri, que o transformaram em refúgio de montanha!
As pistas sucediam-se rápidas, tivesse eu ainda a força necessária…
Os estradões de excelente piso ajudaram a diminuir a dureza dos
quilómetros seguintes, com os trilhos a desenrolarem-se num suave mas
demolidor “rompe-pernas” que progressivamente me ia consumindo as
forças, chupando toda a energia que os meus secos músculos ainda tinham
capacidade de debitar. Começava realmente a acusar o cansaço das
jornadas anteriores, com o disparate da última noite em Son – aquela
refinada bebedeira – a pesar por cima dos 5500m de subidas que já
carregava na mochila.
Custou-me, mas havia de chegar a Montgarri. Afinal estava quase lá…
Mas este doce ondular ia-me dando cabo das pernas mais depressa do que
os quilómetros passavam sob as rodas, e quando avistem o Santuário ia
realmente bastante cansado, estafado pode-se dizer.
Cores fascinantes…
A caminho do Santuário de Montgarri…
Santuário de Montgarri e Refúgio Amics de Montgarri…
“A montanha é mais bonita com flores
que com papéis. Deixa-a
como a haveis encontradao.
Assim amanha os pássaros não terão
que se perguntar ?Quem passou por aqui?”
No Santuário estavam os companheiros Bascos ainda entretidos com um
valente prato de massa. Também lhes custou esta última zona – acabaram a
confessar!
Peço comida e bebida para repor os níveis no limiar do aceitável e
entrego-me sem cerimónias a esta tarefa assim que a comida toca a mesa e
só me dou por satisfeito quando o garfo arrepia no fundo do prato. Um
gelado de morango e por ultimo um café que peço em simultâneo com o
necessário e último controlo da travessia, o C8!
Enquanto isso, os meus companheiros ultimam os seus preparativos e seguem viagem rumo ao destino final, Viella.
Em conversa com Hiker – que conhecia bem os próximos quilómetros pois
treina aqui ski de fundo – fiquei a saber que ainda me faltavam uns 500m
de desnível positivo a vencer que poderiam ser divididos em três zonas:
Uma dura, outra menos má e uma final, muito ruim (!).
Abalam uma vez feitas as despedidas da praxe:
“O’n di’oxl” – Isto em Basco soa melhor, mas eu mal sei pronunciá-lo,
muito menos escrevê-lo. Quer dizer qualquer coisa como: “Adeus e passa
bem” ou “Boa continuação”.
“Adeus pessoal, boa viagem!” – Despede-se o tuga à Portuguesa!
Haveria ainda de rever Yon já na conversa com Pep à minha chegada à PdF…
As despedidas dos companheiros Bascos…
Deixando Montgarri para trás…
Novamente em marcha, o conjunto seguia agora novamente com mais genica. O
motor estava de novo atestado, embora a elegância tosca com que ia
enfrentando as subidas não desse provas disso. Mais uns minutos até
entrar de novo num ritmo calmo e siga que para a frente é que há
caminho.
Até ao Pla de Beret aconteceu como Hiker tinha dito. Umas subidas
difíceis intervaladas como algumas zonas rolantes e subidas menos duras e
mais progressivas, sempre por uma pista com relativo bom piso.
Ao atingir o Pla de Beret tive hipótese de constatar o estado do tempo no Vall d’Aran. Estava medonho!
Parecia que finalmente os deuses tinham quebrado o pacto e ameaçavam
agora soltar sobre as nossas cabeças demoníaca fera para nos impedir a
entrada em tal recôndito vale. Na continuação do caminho acabei por ir
ao encontro do menos provável dos bichos. Um burro parado no meio da
pista!
O bicho ao me perceber abrandar avança na minha direcção, curioso e
afável, e estica a cabeçorra pedindo festas! Esfreguei-lhe o focinho,
ele agradeceu e seguiu o seu caminho, descontraído e vagaroso.
A chegar ao Planalto de Beret surge este ilustre anónimo…
A cruzar a Estância de Ski Baqueira/Beret…
Uma vez cruzado a Estância de ski de Baqueira/Beret só me restava alguns
quilómetros antes de poder saborear por inteiro o desfecho desta
aventura. O Livro de Ruta apontava o Cruce de Orri como o ponto onde
encadearia com o trilho que me havia de acompanhar até ao derradeiro
final em Viella, o GR211.
Mas aquela última recta no Pla de Baqueira foi terrível de vencer devido
ao fortíssimo vento que varria todo o planalto visivelmente enfurecido.
Foi devido ao facto do Cruce de Orri – e o inicio da longa descida –
estar ali à vista que resisti à tentação de baixar o ritmo imposto pela
relação de transmissão que trazia desde que tinha pisado asfalto, 1.5km
lá atrás. A Talega foi difícil de conquistar nestas paragens e agora
haveria de aproveitar o seu superior embalo para me arrastar até ao
início da derradeira descida.
Uma descida que contava 13km seguidos através do GR211, ora em pistas de
gravilha ora através de single-tracks e caminhos rurais.
Qualquer coisa de alucinante! – Haveria de constatar…
Inicio do GR211, algo de sublime…
Depois alargava e corria solto e desenfreado montanha abaixo…
Por muitos e muitos quilómetros…
Depois de uma curva embico a frente da bike para um caminho de pé-posto
que me levaria à tão falada povoação de Bagergue. Estava sinalizado no
mapa e no Livro de Ruta e faz parte do percurso original da travessia
que vinha a cumprir.
Algo menos fácil que seguir pelo estradão mas muito mais prazenteiro, sem dúvida alguma!
Desde Bagergue o percurso desenrolou-se por dentro de povoações ligadas
entre si por caminhos rurais antiquíssimos e maravilhosos, single-tracks
de perder a cabeça, sempre bem embrenhados na frondosa vegetação do
vale…
No inicio do single-track que levava a Bagergue…
Passando por Unha…
Trilho duro e pedregoso…
Caminhos antiquíssimos e espectaculares…
Subida a Garós, das ultimas de toda a jornada…
Depois de Casarilh surge um single-track que leva até muito perto da povoação de Betren.
Esse sendero, depois de uma parte inicial pouco aconselhada a quem sofra
de vertigens, proporcionou momentos muito divertidos, com umas descidas
algo inclinadas e que não davam grande margem de manobra a um deslize…
“Foi você que pediu uma descida?!” – Reparem na altura do trilho VS cabos eléctricos…
Um single-track algo perigoso, à beira de um abismo com mais de 20 metros…
Mas do melhor. As vistas de onde vínhamos. – Lembram-se dos cabos??
Até à povoação de Breten, sempre tipo “fio dental”…
Breten fica colado a Viella, literalmente. Não há divisão entre uma
povoação e outra pelo que em menos de nada estava cruzando a ponte de
madeira sobre o rio Garona.
Mas agora sim, de bike e como feliz Pedalante do Fogo!
Estava a 50 metros da loja da Pedals de FOC e quando lá cheguei estava já Pep à minha espera!
De sorriso aberto estende-me uma Coca-Cola fresquinha e as congratulações do costume. Mas que sabem estupidamente bem ouvir…
Durante um bocadinho falámos sobre como tinha sido, se tinha gostado,
como tinha passado esta ou aquela zona – as questões de sempre – até que
a bebida se acabou e passámos então a tratar de carimbar o ultimo
Controlo – o da chegada – e arranjar um Jersey – o de Finisher ehehehe –
com que pudesse no futuro adornar o orgulhoso esqueleto…
Novamente à porta da PdF, feliz da vida! Foto sacada por Pep…
Apesar de terminada a passeata ainda tinha algo mais para andar, pois
tinha o meu carro estacionado no parque do Hotel Pirene e esse ficava na
encosta norte de Viella. Comigo estando no centro, não me restava outra
alternativa senão seguir pedalando o que faltava, ou seja subir!
No hotel ainda tive direito a quarto para poder tomar banho e trocar de
roupa, um brinde que o hotel dá aos que chegam das Pedals e que lá
cumpriram a Noite0.
Cumprida esta tarefa ficou hora de procurar alojamento para a noite.
Ainda pensei na hipótese de voltar a pernoitar aqui mas os preços
dissuadiram-me rapidamente. Optei por isso por rumar mais a norte para
ir encontrar no Camping Verneda o local ideal para passar uma derradeira
noite antes de rumar a Lisboa, a mil duzentos e muitos quilómetros de
distância.
Tendo começado a pedalar às 08h40, terminei pelas 17h15 com 2h40 de
paragens pelo meio. Subi um total de 1480 metros de subidas e 1900
metros de descidas num total de 64.5km.
Cumpri na íntegra o percurso original que me tinha proposto e fi-lo sem
ter um único furo ou queda, sendo a relatada troca de pastilhas de
travão o único apontamento sobre mecânica que existiu durante todo o
trajecto.
Local de pernoita: Camping Verneda
http://www.campingverneda.com/
[FIM]
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O Track GPS pode ser conseguido no arquivo do Track4you aqui do ForumBTT, ou na pasta "Tracks GPS" aqui do meu blog!
Ficam aqui mais uns links para a galeria completa de fotos...
Album I - http://picasaweb.google.pt/fjbnunes/PedalsDeFOCAlbumI#
Album II (Continuação) - http://picasaweb.google.pt/fjbnunes/PedalsDeFOCAlbumII#
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