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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Arrábida75

Arrábia75

Já há uns dias que me andava a apetecer uma daquelas voltinhas que nos deixam a transbordar de satisfação, seja pela sua localização, dificuldade ou o que for. Apetecia-me uma daquelas passeatas que nos deixam ligeiramente empenados no final mas com um agradável sabor de boca, a alma cheia de boas sensações e os músculos doridos nos dias que se seguem.
Procurei na pasta dos Projectos, aquela onde moram os tracks GPS que pretendo algum dia completar, - há lá de tudo e para todos os gostos, trilhos e caminhos desde norte a sul de Portugal, incluindo outros fora fronteiras – procurando por algum que reunisse as condições para satisfazer as minhas necessidades.

Essa pastinha guardava preciosamente um track do Leonix (companheiro do ForumBTT), apregoando 75 quilómetros pelos melhores trilhos e single-tracks que a belíssima serra da Arrábida tem para oferecer. Entre este e o “S3K” da autoria dos PedraAmarela pendiam os pratos da balança. Mas como Sintra conheço bem, a Arrábida levou a melhor sobre a escolha. E embora com um acumulado mais humilde e de menor quilometragem não deverá certamente ficar a dever muito, em dureza e tecnicidade, ao track desenhado pelo grupo sintrense.

Eram 10h30 quando comecei a pedalar, já tarde é óbvio, saindo desde o largo da rodoviária de Palmela direito ao Single do Castelo que começava lá mais em cima, seguindo através de um bonito jardim para lá chegar. A subida para chegar de novo à vila haveria de ser feita pela subida de calçada romana, contornando toda a encosta sul do castelo.
Tinham início as hostilidades...


Local de inicio...

Single-track do Castelo...

Encosta sul do castelo de Palmela a subir pela calçada romana.

Sigo depois pelo Caminho dos Moinhos na direcção da serra do Louro.
O tempo estava porreiro. Soprava de norte um vento forte, mas que trazia consigo uma frescura que amainava o dia quente que se fazia sentir. Felizmente, o dia manteve sempre estas condições tendo-se mostrado realmente favorável, inclusive com algum vento pelas costas em algumas circunstâncias providenciais. Claro, e de frente noutras!


No Caminho dos Moinhos...

Umas antigas ruinas...

Faço a primeira paragem depois da subida Zig-Zag para comer e fazer outra coisa que me vinha a apetecer já há um bocado. Uma mija valente!
Passo pelo Moinho do Cuco e por mais um moinho, este, embora bastante degradado, ainda mantém a sua construção de pedra original. Passo ainda pelo Fim do Mundo e desço até cruzar a estrada nacional.
Adiante encontro a subida que dá pelo nome de Up Azeitão e acabo por entrar num single muito divertido com umas enormes lajes de calcário e umas zonas bastante técnicas e apelativas. Até Oleiros foi um tirinho. Aí tinha possibilidade de reabastecer de água que acabei por não fazer. Esperava almoçar na Comenda e lá haveria nova hipótese de conseguir o precioso líquido.


A chegar ao Moinho do Cuco...

Construção ainda original...

Subida Up Azeitão...

Um trilho bastante divertido antes de Oleiros...

De passagem por Oleiros...

Depois da povoação de Oleiros haveria de conhecer o tão famoso trilho da Falésia. Um single que percorre uma pequena falésia calcária com pouco mais que 300 metros de extensão. Uma pérola. Sem dificuldades de maior a não ser a sua exposição é realmente uma pequena delicia.
Mais à frente acabo por sofrer uma pequena queda, numa zona que já conhecia. Uma escorregadela e num ápice estava a deslizar descida abaixo, lateralmente, resvalando pelo chão uns metros. Ainda parvo, olho para cima e falho em perceber o que me fez cair. Enfim, azelhice ou distracção, o que é facto é que estava no chão. Sacudo-me e enquanto levanto a bike procuro os danos da minha escorregadela. Não encontro nenhum.


Vistas desde as imediações do Trilho da Falésia...

Trilho da Falésia...

Trilho da Falésia...

O Carrossel surge depois de uma curva. Terrivelmente vincado no início por uns sulcos enormes e muito fundos, acabou por ser um pedaço de caminho bastante divertido. Um verdadeiro carrossel de sobe e desce. Um ondulante rompe pernas que me transporta, intervalado com mais uns quilómetros de caminhos, até ao Velho das Saias. Um caminho formado por um túnel de vegetação, não desprovido de zonas técnicas com passagens de pedras com curvas apertadas e sinuosas, sempre resguardado à sombrinha, sempre a descer. Bem, quase sempre.
No inicio da subida de empedrado que o track marcava como Morena, ou Categoria, – fiquei na duvida – pensei que seria sempre a dar-lhe pois o bom piso assim o apregoava. Mentira, acabo por apear logo depois da primeira curva para deixar os pulmões restabelecerem o seu ritmo normal, debaixo de uma sombra do caminho. Volto a montar, mas volto a parar novamente no topo da dura rampa. Encostei-me, literalmente, a um pinheiro e aí descansei o suficiente para que os pulmões não saltassem cá para fora - tenho que deixar mesmo de fumar. - Mas como sempre, uma subida antecede sempre uma descida, que deu novamente pouco espaço para descansos


Trilho Carrossel...

Velho das Saias...

No inicio da Morena...

O Single do Outão, aparece do outro lado da estrada, reconheci-o de outras andanças. Mas hoje custou-me mais do que nas anteriores passeatas. Fi-lo devagar, devagarinho, sem pressas. Este pequeno trilho, apesar de fácil tem umas zonas muito belas e mantém uma vista avassaladora uma vez chegado ao fim da primeira secção.
A fome já apertava e já só me lembrava da sandocha de presunto e queijo da serra – da Estrela, claro – que trazia na mochila. Já tinha comido os pêssegos que trazia, já tinha comido algumas barritas e especialmente já tinha bebido 3 litros de água. O meio litro do cantil, - com o sumo do Hulk – já havia ido e dentro do camelbak restavam somente umas goladas. Começava a tornar-se urgente chegar ao parque de merendas da Comenda.
Sentindo o camelbak vazio nas costas, continuei a pedalar, não tinha outra escolha, mas sabia que ainda teria pela frente uma subida com um nome pouco promissor. A subida das 3 Etapas. E que **** subida. Dura e longa, terrivelmente empinada e técnica nalgumas zonas. Eu desmontei assim que lhe percebi a cor. As forças iam-se esgotando e achei por bem facilitar um pouco a coisa e ir empurrando a bike monte acima. Foi duríssima na mesma. Não faço ideia da inclinação daquela 2ª etapa mas era da família das denominadas na gíria por “paredes”. Eu arriscaria ser mesmo um parente muito chegado! Facilmente acima dos 15%, garantido.


Single do Outão...

Single Maravilha...

Uma outra zona do Single Maravilha...

No principio da subida das 3 Etapas...

Mas tudo tem o seu tempo e o das 3 Etapas havia culminado. Encontrava-me agora numa zona com vistas privilegiadas sobre Tróia, Setúbal e sobre o estuário do Sado... Via inclusive os verdes ferrys que fazem a travessia Setúbal-Tróia, tão pequeninos vistos daqui de cima que parecem de brincar. O caminho é uma pista de terra vermelha rapidíssima que através de uma suave ondular pela cumeada me leva à tão ansiada área de lazer e de merendas. Mais uma curta descida e chego à Comenda!
Enchi o bandulho com o que trazia de casa. Comprei duas garrafas de água de 1,5 Litros e uma torta – que apesar de aparentar ter mais de 15 dias, tinha açúcar e serviria como sobremesa. Comprei mais um sumo, depois de ter pedido uma Coca-cola e me ter sido dito que: “Infelizmente, não temos.”
Sentei-me numa das mesas que ocupam o espaço. A paragem demorou pouco mais de uma hora. Antes de zarpar comprei mais uma pequena garrafa de 0,5L para preparar nova dose de bebida energética e depois de fumado o cigarro da praxe pus-me finalmente a caminho.


Caminho rapidissimo com optimas vistas...

Sempre a rolar...

A peninsula de Tróia...

Comenda...
Até tem uma pequena praia. Não fui a banhos pelo adiantado da hora. Bem que apetecia...

Os trilhos perdem-se mais ou menos à cota, permitindo um rolar solto e rápido. Caminhos que já conhecia levam a outros que fico a conhecer, num imenso corrupio de sensações. Passo por um género de portal feito em toros de madeira, um género de portal de entrada e saída para um mundo distante, antigo. Escondido dos olhos do mundo pela densa vegetação que o envolve. Mais à frente uma avenida de Palmeiras. Depois disto, uma longa e empinada subida que me levou até à Calçada Romana. Uma calçada romana muitíssimo bem conservada. A superfície pedregosa e compacta fez o meu corpo vibrar por todos os lados. A suspensão – a da frente e a traseira – no seu curso máximo fazia o que podia por me manter confortável, mas nada houve que provasse esse facto. Todos os músculos me berravam aos ouvidos. As pernas, os braços, os pulsos, as costas. Todas as articulações e tendões do meu corpo gritavam de dor.
Quando cheguei ao local de Casal das Figueiras nem queria acreditar. Estava ainda inteiro, embora momentos antes todo o meu corpo aparentava ir-se desintegrar a qualquer instante. Abençoada subida da Tartaruga. Longa e empinada em alguma zonas, mas de piso suave e macio permitiu concentrar-me novamente e ir libertando a tensão que a descida anterior provocara. No entanto, as pernas acusavam já verdadeiro cansaço e foi sem cerimónias que parei e descansei, enquanto bebia mais uns valentes golos daquele sumo verde que trazia no cantil dentro da mochila. A água essa, desaparecia à velocidade de enormes golos de cada vez que mordia a torneirinha de borracha.


Trilhos rápidos, ondulantes e frescos...

Uma estrutura curiosa no final de um trilho...

A tal “avenida” de Palmeiras...

Mais uma subida dura de roer...

Já na Calçada Romana. Aqui ainda um prazer...

A descida final da mesma Calçada. Aqui já um verdadeiro tormento...

A certa altura, o track vira à esquerda e leva-me até à Capela de S. Luís. Numa altura propícia, diga-se. Belo o trilho, - outrora single-track, aposto – que me transportaria à capela. Uma zona mais plana e depois uma valente descida que termina num labirinto de sulcos com mais de meio metro de profundidade. Sozinho, opto pela segurança e desço a primeira parte a pé, fazendo a restante montado na bike, mas com ela dentro de um dos regos, empurrando e mantendo o equilíbrio com os pés, enquanto afrouxava a pressão nas manetes dos travões.
Contorno a capela na sua totalidade e tiro umas fotos. Puxo de uma barra que devoro enquanto procuro o melhor ângulo para mais um retrato. Daqui até à subida das 2 Cerejas foi um tirinho. Antes ainda surge o Single do Tanque à esquerda e só depois de mais uns trilhos, enfrento a dura subidazinha. Longa e empinada, foi uma das mais violentas de todo o percurso. Talvez tenha completado ¼ dela apeado.


Descida para a capela de S. Luis...

Na capela de S. Luis...

Mais uma foto enquanto engulo mais uma barrita...

Todo o corpo começava a apresentar desgaste e a coordenação via-se afectada com isso. O trilho Raízes, embora bastante divertido e técnico foi palco de alguns sustos, mas nenhum com consequências. Em determinadas alturas é preferível ser adepto incondicional da gravidade e passar “depressa”, mas eu gosto de descer devagar, apreciar a dificuldade do obstáculo, medir-me com ele. Mas com o cansaço chegam dificuldades acrescidas. O equilíbrio já não é o mesmo, o corpo já não reage tão rápido como se gostaria, os instintos são abafados pelas dores no corpo.
Por isso me sabe tão bem quando chego novamente ao piso liso e macio da pista de gravilha que me leva até ao início do trilho da ½ Encosta, também conhecido como Fio Dental. Claro que antes ainda tive que trepar mais uma subida valente, mas anestesiado como vinha, pouco ou nada acrescentou às mazelas que já trazia.
Antes de me meter ao caminho pelo trilho que se abria à minha frente volto a comer e a beber uns golos do cantil. O single-track que corre a meia encosta acaba na estrada dos Barris, a qual sigo até ao desvio que me levaria à Quinta da Escudeira e à subida que ostenta o seu nome. Devo admitir que nesta altura pensei em rumar ao carro, de tão perto que estava, mas controlei-me e segui o plano inicial.


Mais um single-track...

Altura em que andei um pouco perdido. O GPS “congelou”...

Trilho da ½ Encosta, ou Fio Dental...

A subida da Escudeira surgiu inevitável, assim como eu senti necessidade de apear. Inevitável! Demorou, mas recomposto lá acabo por concluir a penúltima subida do dia. Atinjo a cumeada e nela sigo por estrada asfaltada até ao seu final, descendo pelo trilho marcado no mapa como Downhill – ou pelo menos muito perto deste. O que sei é que a descida foi muito boa, mas muito lenta e demolidora para o que restava das minhas massacradas costas. – Hoje vinham a moer-me particularmente mais que o costume.
Restava apenas a infame Cobra. Uma pista branca de gravilha e poeira. Longa, mas relativamente suave. Fi-la sem pressas. O sol brilhava já baixo no horizonte. Já passava das 19horas e os dourados raios de sol formavam uma cortina amarelada quando atravessavam o pó que pairava no ar, levantado pelos carros e motos que comigo se cruzaram.


No inicio do caminho que levava à Quinta da Escudeira...

Castelo de Palmela de novo à vista...

Nos trilhos do Downhill que acabaram com o que restava das minhas costas...

Depois de superada a Cobra, já no asfalto da vila...

Tinha pó em todo o lado. Os meus pneus eram totalmente brancos. A bike preta vinha de cor cinza-claro. Os meus dentes estavam cobertos por uma granulada camada de qualquer coisa. Quando pisei novamente o alcatrão e desci para o local onde estava estacionado o meu carro percebi o meu estado. Ao passar por uma montra qualquer vejo o meu reflexo. Uma cena fininha, magricela, com um terrível aspecto de cansado e coberto de uma película esbranquiçada que ao ser sacudida levantava uma nuvem de pó branco no ar.

Nove horas depois de partir estava de novo ali. Eram 19h20 quando encostei ao carro, depois de umas voltas ao jardim para arrefecer um pouco. Fazia muito tempo que não sentia aquele aperto inicial de câimbras e chegou a acontecer-me algures lá para trás durante a Escudeira e mesmo na descida seguinte. Depois de uns demorados alongamentos e da bicicleta arrumada sento-me finalmente ao volante. Parecia manteiga o sofá que agora tinha debaixo do rabo.

- Menos um na pasta dos Projectos!

Agora sim, podia dizê-lo em alto e bom som e apreciar o fugaz momento, pois assim que rodo a chave na ignição e o motor arranca, tudo se esfuma num ápice e a realidade apodera-se de novo de mim. Estava atrasadíssimo para o jantar, no Cacém, em casa dos meus pais.

No rádio entoava uma canção que entrava que nem ginjas no momento...

“Quando a cabeça
não tem juizo,
O corpo é que paga...
Deixa-o pagar, deixa-o pagar,
Se tu estás a gostar...”


Fazendo as contas – olhando para o gps, melhor dizendo – acabei por pedalar 76km, durante pouco menos de 7 horas de pedal e as restantes nas necessárias paragens pelo caminho. Trepei um total 2492 metros e desci outro tanto, com uma média de 11,6km/h. Consumi perto de 7 litros de água e devo ter deixado no caminho igual percentagem de suor.

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Já só me resta agradecer, de novo, ao "patrocinador" de tão espectacular passeio...
Obrigado Leonix, pela aventura que me proporcionaste!

A galeria completa de fotos pode ser vista aqui: Arrábida75
Este fabuloso Track pode ser conseguido aqui: Tracks4You

Abraços

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Ruta "Pedals de FOC" - Dia 4

24 Junho 2009
Son – Viella


Estranhamente acordei à hora do costume, mas o corpo estava dormente e a cabeça não se encontrava nas melhores condições, pedindo árduo trabalho para conseguir discernir os meus pensamentos durante aqueles primeiros minutos.
A boca encortiçada pedia água com urgência.

A noite de ontem tinha deixado marcas.
Em Yon e Hiker a tola latejava de igual maneira. Gosom ainda dormia na sua estreita tarimba.

Meia hora depois e de banho tomado começamos a recuperar e com a ingestão de um calórico pequeno-almoço – que inclui as bem ditas fatias enormes de pão tostado, barradas com alho, azeite e tomate para depois serem cobertas de fatias de enchidos e queijo – a coisa foi melhorando significativamente. Comi que nem um abade. O corpo bem o pedia e eu dava-lhe!

Obstante o potente desayuno, encontrei alguns problemas para manter o equilíbrio durante as primeiras pedaladas através do Cami del Calvari.
Mas da mesma forma que tinha acontecido ainda há pouco, o corpo lá foi recordando como andar de bike e em menos de nada estava como se nada tivesse passado, fluído e ágil como sempre.
Felizmente, porque o que se ia mostrando era realmente de grande qualidade. Um sendero que se perdia por dentro da zona baixa do Bosque Negro e que pedia muitíssimo da técnica, com curvas a 180º com uma inclinação razoável e bastantes pedras a impedir uma passagem mais bruta. Algo de muito precisoso. O melhor single-track de todo o trajecto.

No final deste Cami del Calvari entrámos numa outra zona. Num bosque muito bonito, de nome Bosque del Gerdar e que por ser Reserva Integral não é permitido circular de bicicleta. O pequeno percurso é feito a pé e a coima por desrespeito pode chegar aos 600€ – e os guardas estavam mesmo lá que eu vi.
Vai da consciência de cada um, mas independente disso, torna-se uma petição fácil de cumprir já que o trilho apresenta um elevado grau de dificuldade e não será exequível a qualquer um.
A paisagem envolvente é digna de ser plenamente apreciada, vale bem o curtinho passeio pedestre!


Á saída de Son…

No inicio da jornada pelo Cami del Calvari…

No Cami del Calvari! Soberbo, fantástico, precioso... Descida alucinante…

Ainda no Cami del Calvari, todo ele ciclável haja a perícia necessária…

Na ponte de Barranco de Cabanes…

Barranco de Cabanes…

Bosques de Piño Nero – Pinheiro Negro

NÃO CICLAVEL. É reserva Integral! Há que respeitar…

Plaza Major de Sorpe…

Quando o single-track que nos carregava desde Sorpe termina, entra-se numa estrada que sobe gentilmente pela encosta da montanha. O asfalto permite-me uma cadência que até ali ainda não tinha conseguido atingir, permitindo deste modo um avançar suave e sem grandes martírios ao longo de um pequeno rio que descia vale abaixo, revolto e gelado…
Essa linha cinza e esguia levar-me ia a passar por Isil e daí até Alós d’Isil, lugar onde tinha programado uma paragem mais longa para almoço. Os Bascos esses, já deviam estar quase a chegar a Alós d’ Isil, onde eu chegaria 30 minutos depois.
A estrada mantinha-se à fresca, resguardada sob a copa das frondosas arvores que se penduravam nela desde a encosta. Foi uma subida de 6kms que fiz sem pressa, degustando cada novo sabor do rebuçado que trazia na boca desde que chegara a Viella, alguns dias antes…


Ainda estive para tomar uma banhoca, mas estava fria…

Alós d’Isil…

Almocei aqui, em Alós d’Isil, o pic-nic que trouxera da casa Masover.
Acabei por dar uma voltinha pelo largo, fazendo com que um senhor que descansava na varanda de sua casa se tenha interessado de minha figura. Falou-me em Aragonês…
Foi como se tivesse falado em russo!
No castelhano mais correcto que consegui encontrar expliquei-lhe cordialmente que não tinha entendido nada do que me havia dito, que era português e que se queria falar comigo só em castelhano mesmo…

Riu-se e depois tentou de novo, mas num castelhano ainda pior que o meu – se isso é possível.
Perguntava-me se estava fazendo a “Ruta” – A Pedals de Foc, entenda-se – e depois de alguma conversa acaba por me aconselhar a não ceder à vontade de descer directo para Viella e seguir para Bagergue, que valeria bem o desvio.
Ora, já contava mesmo em ir por Bagergue! – Com mais esta dica, não falharia de certeza!

Acabei por saber que já tinha feito várias vezes aquela volta, umas de bicicleta, outras a pé (!). Nunca por lazer, mas sim por necessidade de se deslocar de um sitio para outro por qualquer razão. Também fiquei a saber que o seu mau castelhano era devido a quase nunca usar a língua, apenas Catalão e o dialecto da sua terra, o Aragonês.

Para Bordes d’ Isil foram só mais 8km de subida leve e em óptimo piso. Um estradão largo de chão compacto e poeirento ascendia devagar pelo vale. Sempre ladeando o rio o que fazia com que a temperatura andasse muito perto da ideal, minimizando a tarefa de pedalar com o sol a pino por cima da cabeça.


Tranquila e majestosa subida para Bordes d’ Isil…

Com as vistas sendo progressivamente “maiores”…

Um descanso…

Passeando por Bordes d’Isil…

Foto tirada a pedido a um casal de namorados…

Seguindo viagem acabo entrando rapidamente no Vall d’ Aneu, majestoso e único.
O objectivo era agora o antigo Santuário de Montgarri, um dos ex-líbris da região e que por essa razão atrai muitos visitantes. Está situado já dentro da espaço da reserva natural de L’Alt Aneu e é uma construção Gótica que data do século XiV e que mais tarde foi recuperado pelos Amics de Montgarri, que o transformaram em refúgio de montanha!

As pistas sucediam-se rápidas, tivesse eu ainda a força necessária…
Os estradões de excelente piso ajudaram a diminuir a dureza dos quilómetros seguintes, com os trilhos a desenrolarem-se num suave mas demolidor “rompe-pernas” que progressivamente me ia consumindo as forças, chupando toda a energia que os meus secos músculos ainda tinham capacidade de debitar. Começava realmente a acusar o cansaço das jornadas anteriores, com o disparate da última noite em Son – aquela refinada bebedeira – a pesar por cima dos 5500m de subidas que já carregava na mochila.

Custou-me, mas havia de chegar a Montgarri. Afinal estava quase lá…
Mas este doce ondular ia-me dando cabo das pernas mais depressa do que os quilómetros passavam sob as rodas, e quando avistem o Santuário ia realmente bastante cansado, estafado pode-se dizer.


Cores fascinantes…

A caminho do Santuário de Montgarri…

Santuário de Montgarri e Refúgio Amics de Montgarri…

“A montanha é mais bonita com flores
que com papéis. Deixa-a
como a haveis encontradao.
Assim amanha os pássaros não terão
que se perguntar ?Quem passou por aqui?”

No Santuário estavam os companheiros Bascos ainda entretidos com um valente prato de massa. Também lhes custou esta última zona – acabaram a confessar!
Peço comida e bebida para repor os níveis no limiar do aceitável e entrego-me sem cerimónias a esta tarefa assim que a comida toca a mesa e só me dou por satisfeito quando o garfo arrepia no fundo do prato. Um gelado de morango e por ultimo um café que peço em simultâneo com o necessário e último controlo da travessia, o C8!

Enquanto isso, os meus companheiros ultimam os seus preparativos e seguem viagem rumo ao destino final, Viella.
Em conversa com Hiker – que conhecia bem os próximos quilómetros pois treina aqui ski de fundo – fiquei a saber que ainda me faltavam uns 500m de desnível positivo a vencer que poderiam ser divididos em três zonas: Uma dura, outra menos má e uma final, muito ruim (!).

Abalam uma vez feitas as despedidas da praxe:

“O’n di’oxl” – Isto em Basco soa melhor, mas eu mal sei pronunciá-lo, muito menos escrevê-lo. Quer dizer qualquer coisa como: “Adeus e passa bem” ou “Boa continuação”.
“Adeus pessoal, boa viagem!” – Despede-se o tuga à Portuguesa!

Haveria ainda de rever Yon já na conversa com Pep à minha chegada à PdF…


As despedidas dos companheiros Bascos…

Deixando Montgarri para trás…

Novamente em marcha, o conjunto seguia agora novamente com mais genica. O motor estava de novo atestado, embora a elegância tosca com que ia enfrentando as subidas não desse provas disso. Mais uns minutos até entrar de novo num ritmo calmo e siga que para a frente é que há caminho.
Até ao Pla de Beret aconteceu como Hiker tinha dito. Umas subidas difíceis intervaladas como algumas zonas rolantes e subidas menos duras e mais progressivas, sempre por uma pista com relativo bom piso.

Ao atingir o Pla de Beret tive hipótese de constatar o estado do tempo no Vall d’Aran. Estava medonho!
Parecia que finalmente os deuses tinham quebrado o pacto e ameaçavam agora soltar sobre as nossas cabeças demoníaca fera para nos impedir a entrada em tal recôndito vale. Na continuação do caminho acabei por ir ao encontro do menos provável dos bichos. Um burro parado no meio da pista!
O bicho ao me perceber abrandar avança na minha direcção, curioso e afável, e estica a cabeçorra pedindo festas! Esfreguei-lhe o focinho, ele agradeceu e seguiu o seu caminho, descontraído e vagaroso.


A chegar ao Planalto de Beret surge este ilustre anónimo…



A cruzar a Estância de Ski Baqueira/Beret…

Uma vez cruzado a Estância de ski de Baqueira/Beret só me restava alguns quilómetros antes de poder saborear por inteiro o desfecho desta aventura. O Livro de Ruta apontava o Cruce de Orri como o ponto onde encadearia com o trilho que me havia de acompanhar até ao derradeiro final em Viella, o GR211.
Mas aquela última recta no Pla de Baqueira foi terrível de vencer devido ao fortíssimo vento que varria todo o planalto visivelmente enfurecido. Foi devido ao facto do Cruce de Orri – e o inicio da longa descida – estar ali à vista que resisti à tentação de baixar o ritmo imposto pela relação de transmissão que trazia desde que tinha pisado asfalto, 1.5km lá atrás. A Talega foi difícil de conquistar nestas paragens e agora haveria de aproveitar o seu superior embalo para me arrastar até ao início da derradeira descida.
Uma descida que contava 13km seguidos através do GR211, ora em pistas de gravilha ora através de single-tracks e caminhos rurais.

Qualquer coisa de alucinante! – Haveria de constatar…


Inicio do GR211, algo de sublime…

Depois alargava e corria solto e desenfreado montanha abaixo…

Por muitos e muitos quilómetros…

Depois de uma curva embico a frente da bike para um caminho de pé-posto que me levaria à tão falada povoação de Bagergue. Estava sinalizado no mapa e no Livro de Ruta e faz parte do percurso original da travessia que vinha a cumprir.
Algo menos fácil que seguir pelo estradão mas muito mais prazenteiro, sem dúvida alguma!
Desde Bagergue o percurso desenrolou-se por dentro de povoações ligadas entre si por caminhos rurais antiquíssimos e maravilhosos, single-tracks de perder a cabeça, sempre bem embrenhados na frondosa vegetação do vale…


No inicio do single-track que levava a Bagergue…

Passando por Unha…

Trilho duro e pedregoso…

Caminhos antiquíssimos e espectaculares…

Subida a Garós, das ultimas de toda a jornada…

Depois de Casarilh surge um single-track que leva até muito perto da povoação de Betren.
Esse sendero, depois de uma parte inicial pouco aconselhada a quem sofra de vertigens, proporcionou momentos muito divertidos, com umas descidas algo inclinadas e que não davam grande margem de manobra a um deslize…


“Foi você que pediu uma descida?!” – Reparem na altura do trilho VS cabos eléctricos…

Um single-track algo perigoso, à beira de um abismo com mais de 20 metros…

Mas do melhor. As vistas de onde vínhamos. – Lembram-se dos cabos??

Até à povoação de Breten, sempre tipo “fio dental”…

Breten fica colado a Viella, literalmente. Não há divisão entre uma povoação e outra pelo que em menos de nada estava cruzando a ponte de madeira sobre o rio Garona.
Mas agora sim, de bike e como feliz Pedalante do Fogo!

Estava a 50 metros da loja da Pedals de FOC e quando lá cheguei estava já Pep à minha espera!
De sorriso aberto estende-me uma Coca-Cola fresquinha e as congratulações do costume. Mas que sabem estupidamente bem ouvir…

Durante um bocadinho falámos sobre como tinha sido, se tinha gostado, como tinha passado esta ou aquela zona – as questões de sempre – até que a bebida se acabou e passámos então a tratar de carimbar o ultimo Controlo – o da chegada – e arranjar um Jersey – o de Finisher ehehehe – com que pudesse no futuro adornar o orgulhoso esqueleto…


Novamente à porta da PdF, feliz da vida! Foto sacada por Pep…

Apesar de terminada a passeata ainda tinha algo mais para andar, pois tinha o meu carro estacionado no parque do Hotel Pirene e esse ficava na encosta norte de Viella. Comigo estando no centro, não me restava outra alternativa senão seguir pedalando o que faltava, ou seja subir!

No hotel ainda tive direito a quarto para poder tomar banho e trocar de roupa, um brinde que o hotel dá aos que chegam das Pedals e que lá cumpriram a Noite0.
Cumprida esta tarefa ficou hora de procurar alojamento para a noite. Ainda pensei na hipótese de voltar a pernoitar aqui mas os preços dissuadiram-me rapidamente. Optei por isso por rumar mais a norte para ir encontrar no Camping Verneda o local ideal para passar uma derradeira noite antes de rumar a Lisboa, a mil duzentos e muitos quilómetros de distância.


Tendo começado a pedalar às 08h40, terminei pelas 17h15 com 2h40 de paragens pelo meio. Subi um total de 1480 metros de subidas e 1900 metros de descidas num total de 64.5km.

Cumpri na íntegra o percurso original que me tinha proposto e fi-lo sem ter um único furo ou queda, sendo a relatada troca de pastilhas de travão o único apontamento sobre mecânica que existiu durante todo o trajecto.

Local de pernoita: Camping Verneda
http://www.campingverneda.com/

[FIM]

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O Track GPS pode ser conseguido no arquivo do Track4you aqui do ForumBTT, ou na pasta "Tracks GPS" aqui do meu blog!

Ficam aqui mais uns links para a galeria completa de fotos...
Album I - http://picasaweb.google.pt/fjbnunes/PedalsDeFOCAlbumI#
Album II (Continuação) - http://picasaweb.google.pt/fjbnunes/PedalsDeFOCAlbumII#