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terça-feira, 23 de junho de 2015

Transarrábida2015

Já foi!
Meio empeno com o patrocínio dos Zés das Bikes, em especial do companheiro João Pinto!
Meia volta brutal, com direito a Moscatel na mesa de picnic com a melhor vista do País, espírito da malta em altissima rotação e banhos na Comenda!

Mais detalhes assim que possível que o tempo não abunda...
Abraçorros!

domingo, 14 de junho de 2015

VIDEO : GR22 - The adventure of my Life

O filminho do que foi a minha aventura pelos trilhos e caminhos da GR22, a Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal.

A crónica completa pode ser lida nos posts imediatamente anteriores... 




BTT em estado bruto, selvagem e inóspito... E um calor absurdo, insuportável...

Uma aventura exigente que me levou de vencido, como nenhuma até à data!

O meu conselho a quem tente esta Grande Rota, escolham meses do ano menos quentes. Finais de Abril e princípios de Maio serão as melhores e mais sensatas datas...


Crónicas/Posts relacionados
GR22 : The Commitment
GR22 : Last preparations
GR22 : Day One - The beginning
GR22 : Day Two - The beginning of the End
GR22 : Day Three - Conclusion

Abraçorros!


Vemo-nos por aí!


Abraçorros

Frederico Nunes "Froids"
@2015

segunda-feira, 8 de junho de 2015

GR22 : Day three - Conclusion

GR22 - A Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal
A true self-supported bikepacking adventure

Day three - Conclusion

Acordo às 5h45am com um nascer de dia simplesmente radiante. O nascer do Sol que aconteceu uns minutos depois foi com o mesmo fulgor e intensidade com que tinha desabado o céu apenas umas horas antes...


Mas o meu estado geral mantinha-se idêntico à tarde do dia anteirior. Uma lástima.
De todas as formas tinha sobrevivido à noite e precisava agora de me fazer ao caminho até uma povoação onde de alguma forma, pudesse pedir ajuda na forma de táxi.
O ânimo inicial de um belo amanhecer, de um sentir-se vivo e em paz com o que o rodeia, depressa desapareceu quando percebi que não tinha forças para andar 20 metros seguidos sem ter que parar com dores nas pernas e restante corpo como se me tivesse passado um TIR por cima.
Se fosse a subir, parava a cada dois passos. Só me conseguia manter em cima da bike se fosse a descer pois não conseguia forças para efectuar mais de 10 rotações nos cranks sem ter que parar, mesmo no plano.
Mexer-me, fosse o que fosse, era uma tarefa brutal.
Fui andando marcando objectivos em distâncias curtas e tentava parar para descansar somente nesses pontos. Não estava sequer calor, eram 6h30am. Mas eu precisava constantemente de parar para descansar. E cada vez me sentia mais fraco. A cada passo que dava sobrava-me menos força para o passo seguinte.

Consigo chegar à estrada de asfalto e agarro-me aos mapas do GPS.
Tinha duas opções.
A primeira, seguia o traçado da Rota direito ao povo de Juízo e aí tentaria arranjar um táxi desde um café mas caso não houvesse nada, teria que seguir até Marialva, sempre por caminhos de terra, sem viva-alma por perto.
Na segunda, seguia pela estrada de alcatrão até à primeira povoação que encontrasse e que o mapa mostrava ser Madalena, a uma dezena de quilómetros de distância.

Sem hesitar, optei pela segunda. Essencialmente por uma questão de segurança.
Se me desse o fanico por completo haveria de ser à beira da estrada onde seria mais fácil de me verem. Esta foi a ideia principal mas também pensei que seria mais fácil encontrar um café numa povoação de beira de estrada, ainda que pequena, do que numa povoação perdida no meio do monte e que tem apenas três ou quatro casas. E se Madalena não tivesse nada, a próxima povoação seria sempre mais fácil de alcançar que Marialva. E por estrada, os solavancos eram quase nulos o que permitia algum conforto em cima da bike.

Cheguei a Madalena ainda não eram 7am e perguntei se havia café ao primeiro senhor que vi. Havia e deveria estar quase a abrir, disse. No final do povo, última casa à esquerda.
Sigo, a pedalar, até chegar à última casa da aldeia de Madalena.
Paro em frente à porta, do lado oposto da rua, num dos bancos de cimento que lá estavam.
Não tinha conseguido fazer nem mais 5kms.

O senhor Francisco Sequeira, presidente da Junta de Freguesia de Madalena durante vinte anos e actual dono do café onde me encontrava ouve-me atentamente enquanto lhe conto a minha aventura. Serve café a mais dois clientes habituais, mas volta a centrar a sua atenção na minha situação assim que pode.
Expliquei-lhe o que se tinha passado e que não tinha condições fisicas para continuar e que precisava de um táxi até Sortelha. Ele percebeu e tratou de me ajudar, inclusive guardaria a minha bicicleta se caso fosse preciso.

"Liga para o teu cunhado, Josefa, e pergunta-lhe onde é que ele anda" - resmunga para a mulher que chegava de dentro do mini-supermercado que mantinham na loja adjacente ao café.
"Ele é taxista e todos os dias passa aqui a esta hora. Nem sei como é que ainda não passou" - Não parava de me dizer.

O cunhado do Sr. Francisco lá aparece mas está ocupado com outro serviço. Falamos 2 minutos e diz-me que vai mandar vir outro taxi de Pinhel, mas uma carrinha, para que possa levar logo a bicicleta.
Eu agradeço tantas vezes quantas posso e ele segue à vida dele.

Fico à beira do café, que é mesmo à beira da estrada, onde quase não passam carros, em conversa com um fulano que deveria ter a mesma idade que eu e com o Sr. Francisco. A conversa deve ter demorado quase uma hora e terminou quando chegou o Vitor dos Táxis de Pinhel, como se auto-proclamava.
Ao volante de uma Mercedes grandalhona vinha um gajo mais ou menos da minha idade, bonacheirão e de sorriso aberto e honesto.
Enfio a bicicleta para dentro da mala, volto a desfazer-me em agradecimentos, despeço-me das pessoas que comigo passaram aquela hora e meia e que muito me ajudaram e arrancamos direitos a Sortelha, a mais de uma centena de quilómetros de distância.
A conversa foi descontraída o suficiente para o tempo passar relativamente rápido.

Mas assim que tiro o pé fora do táxi em Sortelha, estava-me reservada mais outra lição.
Ainda não tinha tirado a bicicleta para fora da mala da Mercedes já a senhora dona do café/restaurante estava aos berros comigo que aquilo não era coisa que se fizesse e que assim que acabasse de almoçar iria ligar para um familiar que era GNR para que me rebocassem a carrinha...
Um filme do além e eu sem perceber grande coisa.
Mas lá percebi e lá tive que me desfazer em desculpas!
O estacionamento onde havia parqueado o carro era privativo do restaurante e eu nada disse que iria ali deixar o carro tantos dias sozinho. Não avisei ninguém, nem disse nada e o mal foi só esse. Como aquilo é uma aldeia, começou a fazer confusão na cabeça das pessoas um carro estranho ali estacionado, como que abandonado.
Portanto, se calho a demorar mais duas horas, quando chegasse a Sortelha não teria carro para regressar a Lisboa. Muito menos caso tudo tivesse corrido bem.
Bastava ter dito ao que ia que até sitio melhor me tinham arranjado!

Enfim... Nada poderia correr mal, certo?!
Mas, que poderia ter corrido bastante pior, realmente isso podia.

Era aventura que eu desejava, foi aventura que a vida me concedeu.
Vida vivida como ela é, por vezes brutal, inóspita ou simplesmente menos cómoda.
Mas como já tive hipótese de comentar com uma ou duas pessoas, enquanto a coisa correu bem, adorei cada segundo e absorvi o que pude e mesmo quando a coisa começou a ficar feia e descontrolada, senti e vivi momentos que jamais esquecerei, que me marcaram e que seguirão para sempre comigo.
Uns dificeis de explicar, de racionalizar sequer, demasiado íntimos, pessoais e introspectivos, outros mais latos e abrangentes mais também difíceis de verbalizar.

A minha viagem foi brutal.
Aliás, a viagem é brutal!
E até ao ponto onde me  vi forçado a desistir, as paisagens são fabulosas. O percurso foi engraçado embora pense que tenha realizado a parte menos interessante em termos paisagísticos. Mas vale muito a pena e passa por sitios lindíssimos e tem um valor histórico muito interessante.
Pude constatar in loco que é realmente exigente, mas vale sem questões, uma visita. Noutros moldes, talvez, mas certo é que conto regressar.
A époco do ano, sem dúvida, finais de Abril, principios de Maio.

Aquilo é quente, pá! Aquece mesmo!

Vemo-nos por aí.

Abraçorros,
Frederico Nunes "Froids"
@2015




domingo, 7 de junho de 2015

GR22 : Day Two - The beginning of the End

GR22 - A Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal
A true self-supported bikepacking adventure

Day Two - The beginning of the End


A noite, ao contrário do que previa, foi calma e tranquila, em tudo à semelhança do dia com que fui brindado assim que abri os olhos, já passava das 7am. Num ápice arrumo o pouco que trago e preparo uma dose de arroz com sultanas. Um género de arroz doce manhoso mas que providencia um bom pequeno-almoço. Junto uma barra e uns frutos secos e estou despachado.

Enquanto tragava o pequeno-almoço pensava no dia que nascia e o que fazer com ele.
Sabia, à saída de Castelo Mendo, que teria pela frente uma das etapas mais rolantes, mas para cumprir a distância estipulada teria que vencer, nada menos ou nada mais que, 160Kms!


Embora já o tivesse feito antes, era uma distância que sabia praticamente impossível de vencer naquelas condições. Tendo que me preocupar com navegação, carga extra, abastecimentos liquidos sabe-se lá onde, etc...
Tudo isso mais a incerteza de que caminhos iria encontrar pela frente obrigavam-me a ter a plena consciência de que seria virtualmente impossível, mas ainda assim arranquei com a moral a tope, para ir, pelo menos, tentar cumprir os 145Kms que tinha, em casa, definido como distância para este dia.

E assim segui.

Sentia-me bem, tinha dormido bem, o dia estava limpo e aparentava estar mais estável. Tudo corria sobre rodas.
Novamente a pedalar atrás das ilusões, o rabujento motor diesel foi aquecendo e bulia agora a toda a força.



Os caminhos foram aparecendo, ora fáceis e rolantes, ora maus a obrigar a constante atenção, mas na sua maioria, com bom piso. E foi rapidamente que cheguei a Almeida, mas não sem antes ter que trepar os 300m de acumulado na subida a esta povoação, todos de uma virada, durante cerca de 2.5kms por uma pista de empedrado pequenino, massacrante.


Mas lá cheguei e subo ao centro da vila muralhada à procura de duas coisas.
Um café, mas mais importante, um sitio onde levantar dinheiro. Com as pressas não levantei dinheiro antes de sair de Sortelha e os 15€ que levava comigo já tinham ido quase todos em águas, minis e gelados.
O jardim principal da vila estava enfeitado pelas crianças da escola lá do sítio e uma das ruas forrada a chapéus de chuva de várias cores e tons. Engraçado e insólito.



Saíndo de Almeida, o objectivo principal passou a ser alcançar Castelo Rodrigo. inadvertidamente, acabei por ir dividindo as distâncias totais a percorrer em pequenos sectores pois facilitava-me o trabalho de gerir àgua, cansaço, cabeça, tudo. No entanto, os caminhos bons do início foram substituídos novamente por caminhos menos bons, de passo mais dificil, mais lento e por vezes bem mais doloroso.














A Castelo Rodrigo cheguei pouco passava das 12am.
Subi à Igreja e ao Castelo para depois descer e tomar o abrigo fresco de uma esplanada. Uma daquelas esplanadas típicas destas aldeias, quem tem tudo para turista ver mas nada que comer. Nem uma bifana, nem uma sandes, nada, nadinha!



Quando perguntei ao rapaz se tinha alguma coisa para comer, respondeu-me que para petiscar só em Figueira de Castelo Rodrigo, meia dúzia de quilómetros montanha abaixo....

"Naaaa" - Pensei eu!

"Então, olhe, dê-me um Corneto de morango, uma coca-cola e uma garrafa de água de meio litro, fresquinha, por favor." - Respondo depois de uns segundos de silêncio.

Serviu-me e fui sentar-me na esplanada, à sombra.
No entanto, devo confessar, o que me apetecía mesmo era um bitoque com uma bruta salada, uma cola fresquinha a estalar e um Corneto sim, mas como sobremesa.
Não me apetecia nada, por outro lado, ir me meter a aquecer água para preparar um prato de lentilhas de sabor duvidoso e quentes, demasiado quentes e pesadas para o dia que estava.

Daí que, apesar de ter estado quase duas horas parado à sombra, apenas comi umas barras e petisquei uns frutos secos, além do geladinho já mencionado.






Nesta esplanada soube da temperatura no exterior. 42º comentaram uns emigrantes/turistas da France que tinham entrado pela porta à uns minutos. Após isto, perdi-me uns momentos a fazer contas à quantidade de água que já tinha bebido e surpreendi-me com os valores deste e do dia anterior. Tinha consumido perto de 11L de água no primeiro dia e no segundo e até ali, um pouco mais, indo mais perto dos 13L.
Mas as horas iam passando e eu, sem pensar muito, ou melhor, sem pensar de todo, arrumo tudo e volto a pegar na bicicleta com o objectivo de chegar a Marialva.

Larguei o fresco da esplanada de Castelo Rodrigo eram 14pm.

E cerca de 15kms depois estava sobre a Ponte da União, acima das águas do Côa.
Este foi o ponto de viragem. Foi o principio do fim, literalmente, já que não terminei de cumprir os restantes 20kms até Marialva. Bem, nem cheguei à povoação de Juízo tão pouco, a pouco menos de meia dúzia de quilómetros de distância.



Mas deixai-me tentar explicar o que acontceu...
Cheguei a este ponto do percurso eram 15pm, e foi a essa hora que iniciei a grande subida da parede oposta do vale onde estava. Uma língua de asfalto rugoso, terrivelmente brilhante, quase incandescente debaixo daquele calor todo.


E que calor. Além dos 40 e tal graus, estava um ar pesadão, abafado, espesso.
Trovões ribombavam já ao longe. Podia ouvi-los ainda sem os ver.
A onda de calor que emanava daquela tira de asfalto chegava-me ao peito e impedia-me de respirar enquanto empurrava a bicicleta de cabeça baixa. Tinha que parar de andar e levantar a cabeça para conseguir algum ar respirável e que não me queimasse os pulmões de forma atroz a cada inspiração.
Os pneus arrastavam-se no alcatrão quente com aquele típico barulho de borracha a derreter e a colar no chão. Parecia que estava dentro de um forno em lume alto. Escorria suor de forma mais intensa do que se tivesse uma torneira aberta por cima da cabeça.
Já em piloto automático consigo largar a linha de asfalto para entrar novamente em caminhos de terra. Mas a subida não termina, abranda de inclinação mas acaba por aumentar de intensidade devido ao piso que piora.
O meu organismo acaba por ceder e começo com vómitos. Tudo o que ainda me restava de fuel estava agora espalhado no meio do trilho. O calor não amainava e eu não conseguia arrefecer um motor cada vez mais quente.
Tinha perdido as forças de uma forma avassaladora. Custava-me dar dois passos seguidos a empurrar a bike. O meu corpo queimava por dentro e por fora. Os músculos gritavam-me dentro da cabeça dores absurdas, como não me lembro de alguma vez ter sentido.


O objectivo passou rapidamente a ser encontrar um sitio cómodo para parar e preparar-me para passar a noite. Isto eram 16pm, sensivelmente. E de uma sombra onde me pudesse abrigar, nem sinal.
Era impossível para mim continuar naquela condição.
Empurrei a bicicleta para o lado e sentei-me encostado a umas telhas empilhadas à beira do trilho.
Não conseguia dar nem mais um passo.



Do sitio onde me deixei cair avisto um poço e ao lado uma pequena casinha de guarda de materiais do campo, mas não me consigo arrastar até lá. Nem tento, pelo que me deixo ir ficando pelo primeiro sitio que encontrei e que até determinada altura me protegeu. E foi aqui também que me inteirei completamente da situação que tinha em mãos e da possível gravidade da mesma.


Um bocado depois ligo para casa e explico o que se estava a passar. Mais ao menos, claro.

O meu pai de imediato se prontificou a arrancar para cima para ir ao meu encontro a Juízo, mas eu não saberia se lá chegaria pelo que combinámos que eu entraria em contacto quando decidisse o que fazer ou se precisasse de ajuda.
Mas naquela altura o que eu sabia era que dar mais um passo estava fora de questão e que a travessia tinha acabado ali. Precisava de dormir e que amanhã logo veria o que faria. Nem sequer sabia se estaria em condições de andar no dia seguinte. Tinha que descansar antes de tudo.
Eram as únicas ideias e pensamentos que, naquele momento, conseguia racionalizar.
Nos montes à minha volta eram visiveis as colunas de chuva, mais escuras, no horizonte. Os trovões caiam agora a todo o meu redor, com muito maior frequência e com uma intensidade absurda.
Sabia que corria o risco certo de vir a apanhar chuva mas apenas me preocupei em tapar a mochila com a capa impermeável e vestir o saco de bivaq, também ele impermeável, ao saco-cama.
Enfiei-me lá dentro e tentei dormir.

Começam a cair as primeiras pingas uns minutos depois de me ter deitado. As primeiras caiam em cima da capa impermeável do saco-cama com um barulho harmonioso, quase romantico, tranquilizante.

Mas foram aumentando progressivamente de intensidade para passar a cair com a mesma violência com que continuavam a ribombar os trovões em meu redor.
Completamente enturpecido toma a decisão de me ir abrigar convenientemente na tal casinha que já tinha visto anteriormente. Indo buscar forças ao instinto de sobrevivência, saio novamente para fora do saco-cama que fecho rapidamente dentro do bivaq para que não se molhe, visto o meu impermeável, calço os sapatos já completamente encharcados e meto a mochila às costas. Pego na esteira em conjunto com o bivaq e arranco disparado, a corta mato, direito ao que aparentava agora ser a minha salvação.
E foi mesmo!
Uma casinha seca, vazia e que me permitiu uma noite calma e de alguma forma revigorante.
A bike ficou caída no mesmo sitio onde estava desde que a deixei cair para o lado.

Tento comer alguma coisa, mas sem sucesso. Não entra nada. Se forçar, sai.

Mantinha água comigo e era isso que me apetecia. Água. E bebi à vontade durante toda a noite.
Por volta das 22pm o meu pai, preocupado, liga-me. Arranca-me já do sono.
Pergunta-me, "Como está o tempo aí?!"
Respondo-lhe sem levantar a cabeça da esteira, "Chove de cara#$!"&/"

Mas depois de lhe explicar que já estava abrigado e protegido, lá descansou. É Alpinista e montanheiro experiente e habituado às agruras das aventuras no meio dos montes e Montanhas, e tranquilizou-se um pouco mais quando percebeu que eu tinha a situação minimamente controlada e que não teria que passar a noite realmente ao relento, encharcado que nem um texugo debaixo de uma tempestade que valia Alerta Amarelo nas informações da Internet.

Por esta altura também já tinha recuperado algum descirnimento e já tinha também traçado um plano para me pirar dali para fora e que consistia em chegar a Juízo ou outra povoação qualquer e chamar um táxi de regresso a Sortelha. Se tivesse que deixar a bicicleta para trás, trataria de a vir buscar depois.
Por isso ficámos combinados que eu daria notícias logo de manhã assim que acordasse.

Volto a sentar-me na esteira e enrolo um cigarro. Continuava a trovejar e a chover copiasamente lá fora.

Volto a beber mais água, mas essencialmente mantenho-me inerte, absorvendo a intensidade daquele momento enquanto o tabaco arde completamente na murtalha, quase sem o chegar aos lábios.

Assim que volto a encostar a cabeça na esteira, adormeço de imediato.



Continua aqui...









sábado, 6 de junho de 2015

GR22 : Day One - The beginning

GR22 - A Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal
A true self-supported bikepacking adventure.

Day One - The beginning


A semana que antecedeu o meu arranque para a Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal não foi de todo fácil. O muito trabalho e o pouco tempo disponível não me permitiram a preparação e atenção que a aventura merecia. No entanto, Sábado estava a sair exactamente à hora que tinha pré-programada. Às 7am estava a fazer-me ao caminho, mas ao invés de estar a sair de Sortelha como programado, estava a sair de casa, em Oeiras.




Quando cheguei a Sortelha pouco passava das 10am e estacionei o carro no primeiro sitio que vi, em frente a um café/restaurante e que tinha inclusive uma sombrinha livre.
Neste café e depois de preparar tudo, comi mais qualquer coisa, bebi uma coca-cola, café e arranquei. Não disse nada a ninguém, não avisei ninguém que ali iria deixar o carro cinco dias seguidos, nem tal necessidade me passou pela cabeça. Mas Sortelha é uma aldeia e como boa aldeia que é, qualquer coisa fora daquela rotina é estranha. O meu carro, que ninguém conhecia, entrava claramente nessa categoria...

Largando este povo quase às 11am deixava-me numa situação complicada para cumprir o meu objectivo no que tocava às distâncias diàrias a percorrer. Mas foi com uma boa moral que me fiz ao caminho. O chip já estava no modo "aventura" e tudo foi acontecendo tranquilamente, sem pressas. As horas já não faziam tanto sentido, ou pelo menos preocupar-me com o tempo já não fazia tanto sentido.


Os primeiros quilómetros ajudaram a esquecer tudo o resto. Pareceu ser sempre a subir até ao Sabugal, onde parei para almoçar, pertinho das 12am. Essencialmente boas pistas, bosques de carvalhos a providenciarem belas sombras e caminhos mais ou menos fáceis. Mas de elevada exigência física, já que todas as subidas são fortes, empinadas e algo extensas. Começava a desenhar-se o que supunha ir ser a rotina das dias vindouros.

Sempre que podia abastecia de água. Quando cheguei ao Sabugal, 18kms depois de ter partido, já tinha os 3L de capacidade do camelbak cheios de ar. E esta havia de ser a rotina maior. De povo em povo, de fonte em fonte, à procura do milagroso líquido.
No Sabugal almocei e falei pela primeira vez com o meu primo Tiago que disse que teria o 110 disponível para me ir buscar se assim tivesse que ser. Ri-me e disse-lhe que não havia de ser preciso, mas afinal estive bem perto de me ver obrigado a tal. Mas disto, nem eu nem ele desconfiávamos.



Volto a parar na barragem de Alfaiates, ainda antes da aldeia com o mesmo nome. Os dois quilómetros que antecederam esta paragem foram muito duros, literalmente a empurrar a bicicleta por pseudo-caminhos entre muros que não viam pegadas de gente ou de bichos à vários anos.
Trabalho árduo em progredir no terreno e quanto mais lento eu seguia, mais longe ia ficando do objectivo final para este dia, Almeida.
Mas na barragem de Alfaiates e à sombra fiz uma paragem mais demorada, onde fui inclusive a uma banhoca. Eram perto das 14pm quando aqui cheguei e o Sol e o calor estalavam a pino e inclementes sob um céu muito azul.
No entanto, o tempo mostrava-se instável. Conseguia perceber os muitos e pequenos farrapos de algodão branco, inofensivos, a acumularem-se no horizonte, ganhando corpo e um tom mais acizentado e pesado.
Paro novamente no café da aldeia de Alfaiates, onde bebi um mini fresquinha que me soube pela vida e atesto novamente de água, agora atesto também os cantis, já ambos quase vazios.


Uma horta e couves à mão de semear fez-me regressar no tempo algumas horas atrás e rever mentalmente uma determinada conversa, e a bem da verdade e a ter que ser, acho que preferia correr atrás de um javali ou tentar apanhar tordos! 
Do que um gajo se vai lembrar, eheheh...

Por esta altura não tinha bem noção do calor que estaria eventualmente.
Comecei a tomar consciência disso ao ver a cara das velhotas sentadas nos bancos à sombrinha quando eu passava por elas e lhes deitava um "Boa tarde"...



Depois do "Boa tarde" de resposta todas elas me atiravam a mesma frase, a mesma admiração;
"Oh menino, de bicicleta por aqui? E com este calor?!"

Na maioria das vezes, sorria, e seguia viagem. Em duas delas, sentei-me ao lado das velhas e descansei. Que sossego e paz têm aquelas alminhas à disposição!
Durante as curtas conversas que tive com algumas das poucas pessoas com que me cruzei, ninguém conhecia o percurso, ou tinham apenas uma vaga ideia do mesmo, não costumavam ver muitas bicicletas e mesmo malta a pé, muito pouca. Apenas a referência às Aldeias Históricas lhes fazia algum sentido.
Um percurso ainda muito jovem, em claro contraste com a vivência daquelas gentes e idade daquelas pedras.



Sigo junto à ribeira de Alfaiates até à povoação de Rebolosa, para depois ir junto do rio Cesarão até Vilar Maior, sempre por caminhos exigentes, fechados, agressivos e lentos.





A aldeia de Freineda serviu de ponto de passagem do Côa. Castelo Mendo estava agora a poucos quilómetros de distância e face às horas, tinha já definido esta como destino final do dia. Não iria chegar a Almeida ainda com luz do dia e não tinha levado mais luz que o meu frontal. Daria eventualmente numa situação de emergência, mas não era de todo o caso e optei por procurar um bom local para pernoita na povoação de Castelo Mendo.







A última subida a este povo foi brutalissima. Para mim, um disparate, mas pronto. Umas paredes inclinadíssimas para ir ganhar uma porta medieval numa zona das muralhas que está cheia de lixo e mal tratada. Muito mais lógico ganhar a entrada principal da vila pela estrada que já se levava, mas pronto, admito que fosse o cansaço já a falar mais alto.
A vila de Castelo Mendo é muito bonita, bem tratada e convidativa, com umas vistas sobre os montes e vales vizinhos que são qualquer coisa, principalmente ao pôr do sol que se mostrava em tons rosáceos e alaranjados com elevado fulgor.

Ainda antes de ligar para casa, encontrei o lugar ideal para passar a noite, na rua do Tribunal, abrigado debaixo do alpendre da casa Nº7.
Julgava que iria ter trovoadas e talvez chuva por companhia durante a noite. O tempo tinha vindo a fechar um pouco, percebia-se a electricidade estática a crescer no ar, carregado e abafado, aquele ar típico das trovoadas de verão do interior.
Algum vento compunha o serão.

Enquanto preparava as coisas apareceu a anfitriã da familia Costa, senhora da casa em frente e à qual tratei de explicar o que estava ali a fazer. Fez-lhe um bocadinho de confusão, mas lá percebeu! Tinha dois filhos, o José de 12 e o Marco, bem mais novinho. Foram a minha companhia durante pouco mais de uma hora. O José tratou logo de ir buscar as suas bicicletas para vermos os pneus que estavam vazios e que enchemos com êxito. Se estivessem furados iria dar mais trabalho, mas também, tinhamos tempo!
Quando aqui parei pouco passava das 19h30pm e as 21pm já os putos tinham ido jantar e já eu me estava a enfiar dentro do saco-cama, de janta comida e tudo tratado, inclusive atestado de água com 3 garrafas de 1.5L frescas que o José me trouxe da arca frigorifica da mãe!


Depois de jantar meti-me a fazer contas.
Hoje tinha concluído somente 80kms entre Sortelha e Castelo Mendo. 80 dos 95kms que tinha estipulado para o dia de hoje! Para estar dentro dos prazos que tinha definido teria que ter alcançado, pelo menos, a povoação de Almeida, a 15kms de distância.

Se tivesse partido às 7am, ao invés de partir às 11am, claramente que teria dado para chegar a Almeida, pelo que mantinha a moral em alta e o cansaço proveniente de um dia duro de pedal era minimizado por essa espectativa ilusória de que são feitos os sonhos.
A carga que trazia às costas era perfeitamente suportável e vinha estável. A bike e respectivas mudanças perfeitamente acamadas, sem saltos e os pseudo-alforges a aguentar na perfeição.
Até o simples facto de estar a dormir no alpende de uma casa com o meu Nº de escola primária e secundário, o 7, parecia um desigino do destino favorecendo a empresa, que esta minha aventura tinha tudo para correr bem e que absolutamente nada poderia correr mal.

Hoje, já em casa e no conforto do sofá, garanto-vos Amigos, como são boas e confortáveis as espectativas e as ilusões!


Continua aqui...



sexta-feira, 5 de junho de 2015

GR22 : Last preparations

Tudo mais ou menos alinhavado...
A bicicleta já ostenta os apetrechos adicionais e todo o material, ou quase, já se encontra reunido ficando a faltar ensacar. No entanto, tenho andado a mil para conseguir ter as coisas minimamente prontas a tempo de arrancar Sábado o mais cedinho possível, como já referi aqui mas muitas coisas das quais queria ter tratado não tratei ou não vou conseguir tratar e outras tive mesmo que alterar.

Hoje, no entanto, pouco passava das 19h e já tinha a bicicleta pronta. Digamos que não é nada mau, nem que isso seja assim tão importante, mas sempre dá mais alguma paz de espírito. E simples mais simples não consigo. Um suporte traseiro, um fuelbag e um handlebar bag do mais simples que pode existir.

Os dois cantis têm finalidades diferentes. O branco, maior, para bebida isótonica e o pequeno para transporte de água limpa de reserva para a janta, pequeno-almoço e/ou de reserva ao saco de três litros que seguirá na mochila.


Aspecto da coisa nova que montei para servir de "Fuelbag"... É para telemóveis, é rijo, é manhoso, não tem grande capacidade de armazenar comidinha mas precisava de um e não tinha outro. Sempre é melhor que nada! E aquelas fitas ali enroladas e meio penduradas a suportar aquele saco e que compõem o meu pseudo handlebar bag irão ficar à medida, com a respectiva margem de folgaO suficiente para ficar com um aspecto muito mais clean.
Se vai aguentar perto de 600kms? 
Pois, não sei. Veremos.



Na frente e da forma mais simples possível seguirá a esteira e o saco de bivac, ambos enrolados em conjunto e dentro do próprio saco de transporte do bivac. O meu velhinho Mountain Hardwear que já tantas noites me protegeu e abrigou! O conjunto não passa das 300g pelo que não deve sair do sítio. Ainda para mais está suportado pelas manetes dos travões. Deve aguentar.



Pior foi reunir e filtrar todo o material que irá seguir viagem dentro da mochila..
Ainda faltam na foto algumas coisas. Basicamente comida na forma de barra, chá e o aquecedor de alma. Uma câmara de ar já está guardada na bolsa de selim.
O bule irá ser substituído por uma caneca mais pequena já que só tenho que aquecer, no máximo, 280ml de água. O fogão Primus e a respectiva bilha irão no mini suporte traseiro junto com mais umas quantas coisas, como isqueiro, canivete, óleo de corrente, ferramentas, as pilhas extra do GPS e MP3 e uma das duas câmaras de ar que irei levar comigo.







Amanhã durante o final da tarde junto o pouquinho que falta e empurro tudo para dentro da mochila.

Não vou levar nenhum livro como tinha inicialmente pensado porque preciso de meter a escrita em dia e assim não tenho desculpas. Se levo um livro, ponho-me a ler e não escrevo. E depois durmo. Não vai dar para as duas coisas, quase de certeza.
É que a brincar a brincar, esta semana não fiz nadinha de exercício, nem tão pouco de recuperação. Estou como vim de Tábua. O pior é que eu conheço o motor diesel que sou e vai demorar a aquecer... Cheira-me que vou sofrer no primeiro dia mais do que estava a contar, mas o tempo o dirá. Mas tenho vários pela frente por isso tenho tempo para embalar o rabujento.
De uma maneira ou de outra, Sábado arranco para uma passeata que espero engraçada!
Com um puto calor por companhia...

Houve malta que pediu o track GPS do novo traçado da GR22 - AHP 2015 já "costurado".

Esses, podem sacar o track AQUI. Os outros também :)

Vemo-nos por aí!


Abraçorros,

Frederico Nunes "Froids"

quarta-feira, 3 de junho de 2015

VIDEO : IX Maratona TABUA

Aqui vos deixo mais um filminho que editei, durante a IX Maratona de Tábua MK-MAKINAS.
Espero que gostem! Eu curti milhões. 



Mais uma vez, companheiros de passeata, obrigado pela companhia!


O vídeo está com alguns problemas de som que eu não consegui resolver, mas ainda assim, espero que se divirtam a vê-lo.


Abraçorros!


Vemo-nos por aí!


Abraçorros

Frederico Nunes "Froids"
@2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

9º BTT MK-MAKINAS, Tábua

Para mim, a aventura de Tábua começou na sexta-feira à noite, quando comecei a desmontar e montar o "novo" sistema de transmissão igual ao que irei levar para a Grande Rota das Aldeias Históricas.
Tudo lindo antes de testar. Na prática ficou uma bosta. E enorme!
Só Sábado às 15h da tarde é que tinha todos os problemas aparentemente resolvidos, mas não cheguei a sentar o rabo em cima do selim e testar tudo com carga. Asneira(!)

Arrancámos de Lisboa às 05h20 da manhã. Eu, a Sandra e o Carlos. Já em Tábua juntámo-nos ao Marco. Os quatro virgenzinhos no que tocava à mítica maratona de Tábua. Todos no entanto, sabíamos mais ao menos ao que íamos. E digo mais ou menos porque a prova superou em tudo as nossas espectativas. Foi simplesmente brutal.

Arrancámos juntos da Box1.
Nem tinhamos pedalado 500m e começo a ouvir um barulho estranho oriundo do meu novo desviador traseiro. Duzentos metros mais e acabo por avisar o Carlos que tenho que parar. O Marco e a Sandra também param e voltam para trás.
Não demoro mais de 2 minutos a corrigir o problema e a asneirada do dia anterior, mas com isso ficámos os quatro a pedalar sozinhos.

Libertou-nos um pouco os trilhos, mas foi a altura em que sofri mais para acompanhar os meus companheiros de aventura.
O Carlos percebeu o meu estado quando algures olha para mim e me vê a suar mais que num banho Turco. Mas lá encontrei o meu ritmo e lá descobri umas artimanhas para me ir safando até final. 
Descobri no Domingo que já não sei pedalar sentado. Já não estou habituado a fazer esse tipo de força. Fiquei a descobrir também que o que não subia sentado em 1x1, subia em pé em 1x3 ou 1x4(!) 
Raios parta a maluqueira. Subia melhor, com menos esforço, mais tracção, mais tudo!

Começámos a apanhar logo singletracks brutais um pouco depois do km20. Todos absulatamente fantásticos. Fluídos, técnicos q.b e mantidos e criados com dedicação. Um verdadeiro luxo quase todos eles.
A boa disposição do nosso grupinho foi sempre nota dominante.
Mas eu não conhecia nem a Sandra, nem o Marco.
A Sandra, disse-me o Carlos uns dias antes, precisava de boleia para Tábua porque tinha inscrição e estava apeada. Passámos nesse instante a ser três.
O Marco era amigo da Sandra e estava já em Tábua à nossa espera.
Revelaram-se companheiros cinco estrelas.
O Marco, bem o Marco nem sei se chegou a suar em alguma das subidas do dia. Apre que o rapaz é forte. E também desce bem. Pessoal mesmo sólido a andar. E a Sandra, ah pois a Sandra... A Sandra fez-me suar as estupinhas para me manter na roda dela durante os primeiros quilómetros da prova e mais não digo.

"Ah e tal, estou em baixo de forma..." - Dizia ela no início.
"Em baixo de forma, ela? Ainda bem, que se estivesse a tope tinha-me morto!" - Disse eu para o Carlos no final, meio a brincar meio a sério!

Mas que companhia excelente! Super divertida, sempre a curtir, mesmo um prazer conhecer! E com um daqueles andamentos "honestos" como a malta gosta. Rolava bem, subia melhor e descia como muito gajo com muito mais anos disto não desce!
O Marco é mais reservado e rolou quase sempre na frente do nosso grupinho. Isto depois do primeiro abastecimento.
Mas até lá e devido a uma paragem, dele e do Carlos, eu e a Sandra acabámos por rolar alguns quilómetros sozinhos e na cabeça do nosso grupo.

A determinada altura a Sandra diz-me, entre uma respiração e outra, que tinha novo objectivo para aquela prova...
Eu não percebi imediatamente o que ela pretendia dizer com aquilo até porque o objectivo comum previamente definido entre todos era única e exclusivamente "córtir os trilhos" da 9ª Maratona de Tábua.
Mas a nossa companheira de passeata já tinha avistado uma outra betetista, uns metros mais à frente, trajando equipamento do Benfica... 
A Sandra é do Sporting!

Ultrapassa-a sem cerimónias e pisa forte no pedal.
O novo objectivo da Sandra passou de imediato a ser terminar à frente da Gaja do Benfica. O principal mantinha-se, claro!
Quando chegámos ao primeiro abastecimento ainda estivemos uns minutos à espera do Carlos e do Marco. Os suficientes para a Sandra ainda me deitar esta frase:

"Ou nós estamos muita fortes ou eles estão muita fraquinhos!"

Eu nem sabia bem o que pensar naquela altura...
Sinceramente, quando ali parámos eu já tinha encontrado novamente um ritmo tranquilo e vinha bem, mas a miúda trazia mesmo o diabo no corpo. Passámos por malta a subir com uma bolina como há muito que não me acontecia. Muita bom! E à medida que o tempo e os quilómetros iam passando, eu ia redescobrindo o prazer que também existe em andar com sistemas de mudanças. Mesmo com uma K7 gasta e a saltar como eu trazia a minha...

Neste primeiro abastecimento havia de tudo, inclusive um rancho folclórico com pessoal trajado a rigor e vinhaça para acompanhar as febras e entremeadas que estalavam no grelhador.
Mas no meio daquela azáfama toda e ainda antes dos nossos amigos, havia de chegar a Gaja do Benfica.
E acabou por arrancar ainda eles não tinham acabado de dar o primeiro golo no copo de tinto.
Percebi que a Sandra mantinha a dela fisgada e quando arrancámos deste abastecimento sabia, nem sei bem porquê, que ela não haveria de descansar enquanto não voltasse a ultrapassar a outra moça. Sem conhecer bem a Sandra, fiquei com a ideia que ela não iria desistir assim tão facilmente.
Tal acabou rapidamente por acontecer.
Quando a ultrapassámos novamente meti-me com ela e disse-lhe: Então, mais contente?!
Ao que ela me responde algo do género: "Só quero ficar à frente dela. Só quero ficar à frente da Gaja do Benfica"...

Foi quando percebi que era mesmo corrida que iríamos ter!
Até porque a determinada altura, vislumbro a roda dela a chegar-se à roda da Sandra. Ambos percebemos às claras que a Gaja do Benfica não ia dar aquela vitória à Sandra de mão beijada. Iria haver luta. Ela picou-se quase de certeza, deve-nos ter ouvido ou assim. Mas nunca nos ultrapassou, esperta!

No abastecimento seguinte estavam já parados o Carlos e o Marco na palhaçada com a malta da organização.
Nós paramos também. A adversária directa da Sandra não. E esta estratégia fez com que demorássemos imenso tempo a reencontrá-la.

Durante esse intervalo na "corrida", fomos apreciando os trilhos, as paisagens, o pessoal da organização em todos os muitos pontos de água e abastecimentos que tivemos, toda a envolvência com a população e acompanhantes dos atletas, que é qualquer coisa de incomparável. Toda a prova e magnitude da "coisa" é magistral.
Mas os trilhos, os trilhos é que são qualquer coisa do outro mundo! Já me repeti? Não faz mal, poderia repetir-me a noite toda que não lhes faria a devida justiça. Um grande trabalho que é visita obrigatória na carreira de qualquer betetista que se preze, sem sombra para dúvidas.

Toda a nossa participação foi pautada pela descontração e boa onda. Esta última chegou mesmo a acontecer enquanto estivemos parados num dos trilhos mais emblemáticos e onde estava concentrado um elevado número de pessoas a assistir à prova, envoltas num cenário idílico.
A páginas tantas dou com a Sandra a puxar pela malta e acaba mesmo por conseguir fazer a "onda" com muita daquela gente. Foi fixe de assistir e vivenciar e serve para perceberem o espirito com que íamos a levar a "cenaça".
Nesta altura deduzo que o modo "RACE" ia em lume brando na cabecinha da Sandra. Os trilhos que se iam mostrando à nossa frente eram absolutamente alucinantes e dignos de total entrega. Quer pela sua beleza, quer pela sua tecnicidade. E ainda por cima tivemos a sorte de poder fazer alguns deles livres de grandes paragens e assim apreciá-los completamente. Um luxo!

O Carlos e o Marco rolavam ora connosco ora uns metros à nossa frente, sempre mais fortes que eu e a Sandra. Mas formámos um grupinho muito coeso e mantivemos um ritmo relativamente bom durante todo o percurso. Ritmo de passeio "rápido", como disse a Sandra.
Basicamente, eu nem tive direito a cigui, por mais vontade que tivesse. Se parasse, perdia o combóio! E não iria fazer o combóio esperar por causa deste meu vício estúpido.

Chegamos a mais um abastecimento. E neste abastecimento ficamos a saber, entre meia banana e mais um quarto de laranja, que a Gaja do Benfica seguia um minuto ou dois à nossa frente, junto com o restante grupo do pessoal da Casa do Benfica de Almada do qual fazia parte.

A Sandra arranca disparada ainda eu nao tinha comido a laranja toda!

"Vou andando! Vocês já me apanham!" - Larga para o ar, sem olhar para trás, enquanto se lança a fullpower aos trilhos, de alento completamente renovado.

RACE Mode back on!

Jogo a embalagem do gel vazio para o lixo e agarro na bike. Seguimos os três a todo o gás até apanharmos novamente a Sandra, um quilómetro ou dois mais à frente. O Carlos e o Marco passam-na na bolina, numa subida com alguma areia e que me obriga a desmontar devido a erros de trajectória, falta de tracção e de prática no manejo das mudanças. Tudo junto e este artista acaba a meter o pé no chão e desmontar antes de terminar a rampa que tinha pela frente. 
Apear com estes meninos é sinónimo de muitos metros de distância que se ganham quase de forma instantanea.
Não me consegui montar logo e sou obrigado a terminar a rampa a penantes. Quando lhe ganho o topo já não vislumbro os meus companheiros. Sozinho quebrei um bocadinho o meu ritmo e custou-me voltar a embalar.
Só fui espevitar novamente um quilómetro ou dois mais à frente quando me chego à roda da Gaja do Benfica. Pelo ritmo lento e quebrado que trazia ainda pensei que não fosse a mesma rapariga, mas quando me cedeu passagem, percebi que sim.
E percebi também que a Sandra e o resto do pessoal também já teriam passado por ela. E acordei novamente para a vida!
Sabia que ela, a Sandra, não iria agora dar descanso e não se iria deixar apanhar novamente, pelo que, seu eu pretendia chegar novamente à roda dela, teria que me aplicar e andar mais do que ela estava a andar, como mínimo.
Mas sozinho essa tarefa revelou-se mais complicada de fazer do que de pensar. As subidas tinham dureza e algumas também tinham técnica à mistura e muitas delas pouca tracção. Em grupo minimizam-se os esforços. Sozinho, tudo parece mais inclinado, maior, interminável...

Mas acabei por avistar a Sandra, sozinha, a uns escassos metros de mais um abastecimento. Fiquei depois a saber que iriam esperar ali por mim.
Gostei do gesto, e fiquei sentido, mas não comentei. Que bom grupo que se juntou. Tudo pessoal com valores que eu aprecio muito. Fiquei mesmo contente. O espirito do nosso grupinho continuava em altas! Sempre bem dispostos, a rir e a desfrutar de tudo o que havia para desfrutar.


Felizmente não os fiz esperar quase nadinha e apesar de naquela altura estar mais cansado do que seria normal, tinha conseguido ganhar-lhes algum terreno e isso deu-me alento novamente. Aliado ao que comentei acima, apesar de já sentir nas pernas algum cansaço, fiquei com a moral renovada.
Mais umas águas para dentro, umas águas para fora e fazemo-nos novamente ao caminho!

Daqui para a frente faltava pouco, cerca de 15kms sensivelmente. Mas que não foram completamente fáceis. Algumas pistas boas a descer e a subir, mas essêncialmente caminhos exigentes, todos eles, de uma forma ou de outra. Só mesmo para o final se rolou um bocadinho de forma mais solta.
O resto foi "serrote", sempre.

Começamos a dobrar companheiros mais atrasados, provenientes da meia maratona e a determinada altura, avistamos dois rapazes parados, cada qual de seu lado de um singletrack já por si estreito, após uma zona algo complicada.
Vinham desmontados porque o trilho era demasiado técnico para eles. 
A Sandra faz tudo bem, mas quando chega à beira dos rapazes, desequilibra-se e dá um toque num deles que, desamparado, cai estatelado no buraco que havia atrás dele.
Mas caiu de uma forma absolutamente genial.
Ao toque da Sandra, e ao perceber que já tinha perdido o equilíbrio e que já nada podia fazer para impedir a queda, abre muito os olhinhos e a boca, tem ali um segundo ou dois de espanto e depois cameça a rir enquanto cai, quase em camara lenta. Mas rir a bom rir!
O rapaz estava exausto e caiu também em parte devido ao cansaço.
Mas a cena foi simplesmente hilariante. Ele caiu em cima de um tapete de folhas como se tivesse caido numa cama, mas ficou de pés para cima e cabeça para baixo. E no meio das pernas, a bicicleta.
E ele ria! O amigo dele também.
Ajudei-o a sair dali enquanto a Sandra se desfazia em desculpas! Mas os rapazes mantinham uma onda brutal! Grande moral... O que ficou a conhecer a Sandra em primeira mão, em momento algum ficou chateado ou levou a mal. Só se ria.
E no final ainda nos disse: "Bem, uma estava guardada!" (Referia-se a quedas enquanto continuava de sorriso na cara!)

Os quilómetros finais foram feitos mesmo em grupinho, juntinhos, tipo Quarteto Fantástico! E foi assim que cruzámos o arco de meta no final desta aventura, porque nem poderia ter sido de qualquer outra forma.
O dia foi brutal, amanhecendo algo fresco para ir aquecendo durante o dia, proporcionando um bom dia para pedalar. As paisagens e os trilhos foram espectaculares e dignos de registo por si só, a organização esteve bem em todos os aspectos. Tudo esteve muito bom, mesmo excelente.

Mas, para mim e de forma inquestionável, o melhor do dia foi mesmo a companhia!
Obrigado por aturarem este magrela e por me deixarem rolar com vocês! Foi, é e será sempre, um privilégio!

Para aquele pessoal que ler esta crónica e não conhece e que de alguma forma pondera participar nesta maratona, nem pensem em ir com outro espirito que não seja o de "Córtir os Trilhos". Tudo vale a pena e merece ser apreciado sem grandes pressas. Vão e desfrutem! É só isso que tenho para vos dizer. Certamente que não se irão arrepender.
No entanto, alguma preparação física é recomendável, porque aos ~1500m D+ de subidas terão que acrescentar a dureza das descidas o que perfaz desta uma prova com alguma exigência física e técnica. Mas que se recomenda vivamente, e que vale cada gota de suor que se deixe naqueles trilhos.

Em resumo, um dia a par com alguns dos melhores dias que já passei a pedalar durante os meus 15 anos de bicicletas.
E certamente e sem cerimónias, um dos mais divertidos!

O track do percurso irá para a pasta "Tracks GPS" assim que possível.
O vídeo da aventura está em processo de edição. Conto tê-lo pronto até Quinta-feira, o mais tardar.

Há por essa internet fora várias fotos nossas. Á medida que as for encontrando ou mas forem cedendo e mostrando, vou actualizando esta posta com algumas que valham a pena!


Nota de rodapé: 

Se a Gaja do Benfica por ventura ler estas linhas, que não leve a mal o facto de ser tratada por "Gaja". O termo é carinhoso e de forma nenhuma pretende ser diminutivo ou depreciativo... Até porque o andamento que impôs durante bastantes quilómetros me merece todo o respeito!
Portanto, uma saudação valente à companheira betetista que veste as cores da Casa do Benfica de Almada e que se não estou em erro tem de graça o nome Tânia. Haja mulheres de fibra no meio de tanto homem! É um prazer pedalar com vocês...


Vemo-nos por aí.

Abraçorros
Frederico Nunes "Froids"
@2015