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domingo, 23 de novembro de 2008

O dia em que tudo se torna nada…

Estou em casa. Enterrado no cadeirão que me serve que nem uma luva. Pouco me mexo, como um pouco num breve passeio pela cozinha e volto a enterrar-me no cadeirão. As duas gatas preguiçam por perto ajudando ao estado de quase total ausência. Ainda não me despi e o banho pode esperar.
Dead Can Dance soa na única coluna do computador.
Cheguei aqui há cerca de vinte minutos, e enquanto as fotografias voam para o seu lugar na Grande Teia Global, vou relembrando cada segundo do que acabei de viver.
Várias horas de puro prazer e não, não falo de sexo tântrico, talvez até devesse porque a sensação final deve ser algo semelhante ao que sinto agora, aqui enterrado no meu cadeirão…
Mas não!
Falo de uma comunhão diferente. De nós com a natureza, com os outros, connosco próprios.
Para quase todos nós, andar de bicicleta é um prazer. Para mim também! Um prazer que chega raras vezes ao êxtase. Porém, quando uma série de factores se conjugam este é possivel de acontecer! Hoje, este dia, é prova disso.
Cansado sei que estou mas não o sinto. Afinal foram mais de quarenta kilómetros de duros trilhos, espectaculares e fabulosos alguns deles, paisagens de cortar o folego mais que as técnicas subidas. No entanto esta outra sensação mantém-se. Esta embriaguez lúcida e saudável não desaparece e eu também não quero que desapareça já.
Mas o porque do êxtase? Perguntam vocês.
Até podem dizer que foi só mais um passeio de bicicleta.
E foi na verdade! Mas foi também um mundo novo que se me abriu hoje, ao meu gosto ainda por cima, com tudo do que mais aprecio quando procuro liberdade em cima da minha btt.
Uma serra ao pé do mar com paisagens de encher a vista, trilhos lindíssimos com muitas pedras e raízes obrigando a uma técnica apurada até poderia fazer pensar que me referia a Sintra. Se esta não tivesse algumas grandes diferenças até podia aceitar a semelhança, mesmo sendo suspeito pois serei sempre um apaixonado pela Serra da Lua. Esta tem uma beleza diferente!
Tem terra vermelha cor do fogo e do seu ventre a pedra que brota é calcárea. Tem um cheiro mais intenso, a terra tem um cheiro diferente, a paisagem tem uma vegetação diferente. Talvez por ser caracterizada por sobreiros, carvalhos e azinheiras, por ser habitat de águias de Bonelli, Bufos Reais, javalis e veados e outros infelizmente já extintos como lobos, sem contar com o facto de ser adornada por uma das mais belas zonas costeiras de Portugal, torna o cenário quase majestoso, nem lhe faltando um antigo castelo.
Tem trilhos escondidos de uma beleza singular e ímpar, de elevado grau de dificuldade, com uma envolvente única e de uma beleza por vezes estonteante, sinto-me fascinado com o privilégio simples de poder pedalar neles tal o perto que estou de lhes chamar de perfeitos. Se a tudo isto, a todo este furacão de novas sensações a que hoje me sugeitei deliberadamente e que ansiava, se a tudo isto juntarmos um grupo de amigos fantásticos, com um espírito brutal, salutar, encorajador, solidário nas alturas menos fáceis, o que poderia ser um simples passeio torna-se um dia memorável.
Num batismo de fogo num terreno que pode chegar a ser infernal se as condições forem menos boas, num dia para não esquecer e guardar memória!
Esta é como tesouros mais valiosos que ouro!
Assim com guardarei as memórias de todas as sensações de hoje, ficarei também com a memória desta sensação de quase total ausência que há muito não sentia, de puro prazer!
Entretanto continuo enterrado no meu cadeirão, e obstante isso a minha mente continua a voar por cada metro de caminho novo percorrido hoje, nesta bela manhã de domingo, nesta bela Serra da Arrábida.
Uma das gatas já encontrou o seu lugar ao meu colo e dorme profundamente ainda embalada pelos sons de Dead Can Dance aproveitando os últimos raios de sol que já obliquamente entram pela janela, dando um confortável tom quente ao já de si preguiçoso ambiente…
As fotografias já estão disponiveis no seu lugar, o banho já apetece, e tudo lentamente voltará ao seu estado normal…
Tudo menos eu. Afinal algo de mim ficará para sempre ali, naqueles trilhos, naquela serra, naquela bela manhã de domingo!

As fotografias são muito poucas, mas estão disponiveis aqui: SM – Arrábida – 23/11/2008

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