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segunda-feira, 8 de junho de 2015

GR22 : Day three - Conclusion

GR22 - A Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal
A true self-supported bikepacking adventure

Day three - Conclusion

Acordo às 5h45am com um nascer de dia simplesmente radiante. O nascer do Sol que aconteceu uns minutos depois foi com o mesmo fulgor e intensidade com que tinha desabado o céu apenas umas horas antes...


Mas o meu estado geral mantinha-se idêntico à tarde do dia anteirior. Uma lástima.
De todas as formas tinha sobrevivido à noite e precisava agora de me fazer ao caminho até uma povoação onde de alguma forma, pudesse pedir ajuda na forma de táxi.
O ânimo inicial de um belo amanhecer, de um sentir-se vivo e em paz com o que o rodeia, depressa desapareceu quando percebi que não tinha forças para andar 20 metros seguidos sem ter que parar com dores nas pernas e restante corpo como se me tivesse passado um TIR por cima.
Se fosse a subir, parava a cada dois passos. Só me conseguia manter em cima da bike se fosse a descer pois não conseguia forças para efectuar mais de 10 rotações nos cranks sem ter que parar, mesmo no plano.
Mexer-me, fosse o que fosse, era uma tarefa brutal.
Fui andando marcando objectivos em distâncias curtas e tentava parar para descansar somente nesses pontos. Não estava sequer calor, eram 6h30am. Mas eu precisava constantemente de parar para descansar. E cada vez me sentia mais fraco. A cada passo que dava sobrava-me menos força para o passo seguinte.

Consigo chegar à estrada de asfalto e agarro-me aos mapas do GPS.
Tinha duas opções.
A primeira, seguia o traçado da Rota direito ao povo de Juízo e aí tentaria arranjar um táxi desde um café mas caso não houvesse nada, teria que seguir até Marialva, sempre por caminhos de terra, sem viva-alma por perto.
Na segunda, seguia pela estrada de alcatrão até à primeira povoação que encontrasse e que o mapa mostrava ser Madalena, a uma dezena de quilómetros de distância.

Sem hesitar, optei pela segunda. Essencialmente por uma questão de segurança.
Se me desse o fanico por completo haveria de ser à beira da estrada onde seria mais fácil de me verem. Esta foi a ideia principal mas também pensei que seria mais fácil encontrar um café numa povoação de beira de estrada, ainda que pequena, do que numa povoação perdida no meio do monte e que tem apenas três ou quatro casas. E se Madalena não tivesse nada, a próxima povoação seria sempre mais fácil de alcançar que Marialva. E por estrada, os solavancos eram quase nulos o que permitia algum conforto em cima da bike.

Cheguei a Madalena ainda não eram 7am e perguntei se havia café ao primeiro senhor que vi. Havia e deveria estar quase a abrir, disse. No final do povo, última casa à esquerda.
Sigo, a pedalar, até chegar à última casa da aldeia de Madalena.
Paro em frente à porta, do lado oposto da rua, num dos bancos de cimento que lá estavam.
Não tinha conseguido fazer nem mais 5kms.

O senhor Francisco Sequeira, presidente da Junta de Freguesia de Madalena durante vinte anos e actual dono do café onde me encontrava ouve-me atentamente enquanto lhe conto a minha aventura. Serve café a mais dois clientes habituais, mas volta a centrar a sua atenção na minha situação assim que pode.
Expliquei-lhe o que se tinha passado e que não tinha condições fisicas para continuar e que precisava de um táxi até Sortelha. Ele percebeu e tratou de me ajudar, inclusive guardaria a minha bicicleta se caso fosse preciso.

"Liga para o teu cunhado, Josefa, e pergunta-lhe onde é que ele anda" - resmunga para a mulher que chegava de dentro do mini-supermercado que mantinham na loja adjacente ao café.
"Ele é taxista e todos os dias passa aqui a esta hora. Nem sei como é que ainda não passou" - Não parava de me dizer.

O cunhado do Sr. Francisco lá aparece mas está ocupado com outro serviço. Falamos 2 minutos e diz-me que vai mandar vir outro taxi de Pinhel, mas uma carrinha, para que possa levar logo a bicicleta.
Eu agradeço tantas vezes quantas posso e ele segue à vida dele.

Fico à beira do café, que é mesmo à beira da estrada, onde quase não passam carros, em conversa com um fulano que deveria ter a mesma idade que eu e com o Sr. Francisco. A conversa deve ter demorado quase uma hora e terminou quando chegou o Vitor dos Táxis de Pinhel, como se auto-proclamava.
Ao volante de uma Mercedes grandalhona vinha um gajo mais ou menos da minha idade, bonacheirão e de sorriso aberto e honesto.
Enfio a bicicleta para dentro da mala, volto a desfazer-me em agradecimentos, despeço-me das pessoas que comigo passaram aquela hora e meia e que muito me ajudaram e arrancamos direitos a Sortelha, a mais de uma centena de quilómetros de distância.
A conversa foi descontraída o suficiente para o tempo passar relativamente rápido.

Mas assim que tiro o pé fora do táxi em Sortelha, estava-me reservada mais outra lição.
Ainda não tinha tirado a bicicleta para fora da mala da Mercedes já a senhora dona do café/restaurante estava aos berros comigo que aquilo não era coisa que se fizesse e que assim que acabasse de almoçar iria ligar para um familiar que era GNR para que me rebocassem a carrinha...
Um filme do além e eu sem perceber grande coisa.
Mas lá percebi e lá tive que me desfazer em desculpas!
O estacionamento onde havia parqueado o carro era privativo do restaurante e eu nada disse que iria ali deixar o carro tantos dias sozinho. Não avisei ninguém, nem disse nada e o mal foi só esse. Como aquilo é uma aldeia, começou a fazer confusão na cabeça das pessoas um carro estranho ali estacionado, como que abandonado.
Portanto, se calho a demorar mais duas horas, quando chegasse a Sortelha não teria carro para regressar a Lisboa. Muito menos caso tudo tivesse corrido bem.
Bastava ter dito ao que ia que até sitio melhor me tinham arranjado!

Enfim... Nada poderia correr mal, certo?!
Mas, que poderia ter corrido bastante pior, realmente isso podia.

Era aventura que eu desejava, foi aventura que a vida me concedeu.
Vida vivida como ela é, por vezes brutal, inóspita ou simplesmente menos cómoda.
Mas como já tive hipótese de comentar com uma ou duas pessoas, enquanto a coisa correu bem, adorei cada segundo e absorvi o que pude e mesmo quando a coisa começou a ficar feia e descontrolada, senti e vivi momentos que jamais esquecerei, que me marcaram e que seguirão para sempre comigo.
Uns dificeis de explicar, de racionalizar sequer, demasiado íntimos, pessoais e introspectivos, outros mais latos e abrangentes mais também difíceis de verbalizar.

A minha viagem foi brutal.
Aliás, a viagem é brutal!
E até ao ponto onde me  vi forçado a desistir, as paisagens são fabulosas. O percurso foi engraçado embora pense que tenha realizado a parte menos interessante em termos paisagísticos. Mas vale muito a pena e passa por sitios lindíssimos e tem um valor histórico muito interessante.
Pude constatar in loco que é realmente exigente, mas vale sem questões, uma visita. Noutros moldes, talvez, mas certo é que conto regressar.
A époco do ano, sem dúvida, finais de Abril, principios de Maio.

Aquilo é quente, pá! Aquece mesmo!

Vemo-nos por aí.

Abraçorros,
Frederico Nunes "Froids"
@2015




6 comentários:

  1. e neste relato final o verdadeiro sentido da tua aventura... dá para sentir essa emoção, esse instinto de sobrevivência e essa total comunhão com o que te rodeia, mesmo que não consigas verbalizar o que viveste de forma completa.

    Parabéns! A Rota vai aguardar por ti :)

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  2. Brutal! Apesar de não ter corrido como planeado, não deixa de ser uma grande aventura, que ficará para sempre na memória

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  3. Grande Maluco, mas interessante esta tua viagem pelo GR22. Que, sabe um dia farei o mesmo, em autonomia totalissíma

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  4. Obrigado pela partilha desta tua grande aventura/experiência de vida, é muito enriquecedora.
    Já fiz pequenas partes do GR22 na zona de Seia… espero ir da Lapa dos Dinheiros a Piódão e voltar à Lapa dos Dinheiros na próxima sexta-feira, 7-8-2015.

    Vimo-nos por aí!

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  5. Obrigado por partilhares esta tua aventura/experiência de vida… é enriquecedora!
    Já percorri pequenas partes do GR22 na zona de Seia. Na próxima sexta-feira, 7-8-2015, vou tentar ir da Lapa dos Dinheiros até ao Piódão e voltar à da Lapa dos Dinheiros.

    Vi-mo nos por aí, abraço.

    Adelino Gonçalves

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