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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Via Algarviana - Dia IV

Via Algarviana em BTT / Silves - Marmelete
Etapa 4 - 26 Agosto 2015


Este quarto dia seria simples... Ou assim aparentava!
Em plena Serra de Monchique, ascender à Picota e seguidamente à Fóia, depois de passada a vila de Monchique. Os dois picos mais altos de todo o Algarve, sendo a Fóia a Rainha com a distinção de marco geodésico mais alto!
A Picota, segunda montanha mais alta de todo o Algarve é bem mais dura na ascensão e exigente nos caminhos que lhe rasgam as entranhas até lhe conquistarem o topo!

E nós haveríamos de provar toda essa dureza na pele do já massacrado esqueleto.
Foi para mim a etapa mais exigente psicologicamente, a exigir muito da cabeça! Foi terrivelmente cansativa porque passámos demasiado tempo quer a subir, quer a empurrar ou acartar a bicicleta às costas por entre moitas e giestas, por entre silvas e pedras.

De Silves saímos já os ponteiros do relógio tinham virado para lá das 08h30. Com o GPS a  apontar para Noroeste começamos a trepar as primeiras paredes logo ao segundo quilómetro. O trilho manteve-se depois em cumeada, visitando o topo de todos os montes que se lhe cruzavam no caminho, fazendo deste inicio de jornada, um ondulante e demolidor "rompe-pernas" até começarmos a vislumbrar no horizonte o perfil da Serra de Monchique com o marco geodésico da Picota a surgir, ainda envergonhado, no horizonte.



Acabamos por chegar às margens da ribeira de Odelouca, que cruzamos uma e outra vez. Cruzamos esta após a passagem da estrada asfaltada e deixando para trás alguns povoados desertos.
A placa mostra a indicação de Fonte Santa e o trilho perde-se por entre e frondosa vegetação do vale que segue o curso da ribeira.



Paramos para uma pausa em nova passagem pela ribeira. Uma pausa para descanso e para comer. Esta primeira parte de caminho tinha sido exigente e levou-nos algumas das reservas de energia que agora nos apressávamos a repor. Mas se a energia era possível de repor, a moral dos meus companheiros não aparentava ser a melhor, com o cansaço a deixar a sua marca no espírito destes aventureiros. Eu estava bem na cabeça, mas as pernas acusavam já verdadeiro desgaste.

Perdemos naquele sitio uns bons trinta minutos. A sombra apetecia e além disso fomos brindados com a companhia de um casalinho maravilha, jovem de espírito, mas avançado e muito na idade, que vinham de passeio. O casal de idosos vinha montado num daqueles carritos conhecidos como "Mata-Velhos" mas o senhor estava convencido que tinha um 4X4.
Se vocês vissem onde ele meteu aquele carrinho caminho acima... Ficavam ainda mais incrédulos do que nós ficámos!

O Pedro só dizia que eles iam fazer o "amor" mas com a idade que ambos aparentavam, tenho ideia que se o tentassem, um deles ia acabar com a espinha partida(!)
E meti os meus trocados na aposta em que seria a velhota, mas não ficámos para saber.

Desde a última vez que vimos o casalinho maravilha, que o trilho era de pé-posto. A única hipótese era fazê-lo a pé, empurrando a bicicleta quando assim era possível e acartá-la aos ombros quando tal não era. Pedalar foi virtualmente impossível em cerca de 3kms de trilhos.

Perdido no meio da densa vegetação acabamos por nos enganar e seguimos em frente pelo trilho mais marcado e pisado e acabamos por chegar ao complexo termal de Fonte Santa.
Sem perceber bem onde estávamos, o Pedro descobre uma "fonte" com água e os três atestamos os cantis, já vazios.
Eu atesto também claro, mas algo me leva a questionar aquelas construções e vou ler o que estava num dos papeis pendurados numa das maltratadas e sujas paredes...

Basicamente pedia para abrir a torneira e deixar vazar a água das banheiras após cada banho, e esperar que as mesmas ficassem vazias, fechar a torneira e deixar as mesmas voltarem a encher com a água proveniente da fonte termal.
A torneira que o Pedro tinha encontrado não era mais que o ralo de descarga da banheira onde os locais ou visitantes tomavam banho!
O local onde estávamos era o Complexo Termal de Fonte Santa, nada mais, nada menos.
Comecei a imaginar as velhotas e os velhotes a tomarem banho nus dentro daquelas banheiras de pedra esculpidas no calcário da serra e nós a enchermos os cantis com aquela água.
Sentia que era o mesmo que beber da água da minha banheira após um banho de imersão de alguém que não conhecesse... Ou mesmo que conhecesse... Era igual!
Imediatamente verto a água dos meus cantis e volto a enche-los com a água limpa que vinha da fonte propriamente dita, uns metros mais acima e que caía dentro da banheira, proveniente das entranhas da montanha.
Saio para a rua e trato de explicar aos meus companheiros que água era aquela, mas não quiseram saber! A sede e/ou o cansaço fê-los não se importarem puto com a minha conversa... Jasus, o que um gajo faz quando tem sede(!)


Seguimos uns metros atrás para corrigir o engano e continuamos a subir, a pé, por entre tojos e silvas, pedras e mais pedras, com um sol a pino sobre as nossas cabeças.
A cada dois metros ouvia o Miguel reclamar com alguma coisa. Ou era com as silvas ou era com os pontapés e caneladas que dava nos pedais.

Chegamos finalmente a uma pista em que dava para pedalar, mas tão inclinada e com um piso tão mau que era significativamente mais fácil continuar a pé. E eu assim seguia, subindo devagar, mais a pé que a pedalar, mas tranquilamente e acima de tudo, tranquilo de cabeça e consciente do que estava feito e do que ainda faltava fazer, ou de subir neste caso.

Perco os meus companheiros durante uns minutos para os ir encontrar encostados à sombra de um sobreiro. Completamente exaustos psicologicamente.
Não íamos ainda a meio da subida à Picota e eu sabia-o. Faltavam ainda muitos quilómetros até ao topo da Serra e começo a pensar em como iríamos conseguir vencer aquela jornada, juntos!

Começo, no fundo, a perceber o desenrolar da situação. Já o tinha presenciado antes e sei como as coisas são na prática. A moral é difícil de manter e quase impossível de recuperar depois de perdida e a dos meus companheiros estava pela hora da morte, literalmente,

Paramos assim que chegamos à estrada asfaltada e o Pedro embica para uma casa sozinha, com um senhor sentado à porta e à sombra. Estranho e até lhes grito que vão enganados, mas acabo por ir ter com eles ao vê-los parar junto do senhor.
Era a casa do senhor Manuel Maria Correia, que nos tratou de arranjar água fresca, mas mesmo fresca, fresca, do poço, e se deixou fotografar para a posterioridade, junto com o seu retrato de jovem onde constavam os nomes dos pais, além do seu.
De uma pobreza extrema, mas que não hesitou em ajudar três estranhos que à sua porta pararam a pedir água!



Continuamos já novamente atestados de água, boa por sinal, e com a consciência do que faltava completar até atingirmos o marco geodésico da Picota. Por saber que a linha do percurso cruzava perpendicularmente as curvas de nível do mapa aceitei a opção do Pedro em seguirmos por estrada até ao topo da Serra. No entanto também sabia que essa opção acrescentaria mais 4kms à distância total até ao cume.

Mas a subida por estrada fez-se bastante melhor que pelos trilhos, permitindo ir ganhando altura à serra de forma tranquila e suave. Só não era suave o calor que se fazia sentir, ainda para mais reflectido naquela tira cinzenta escura...



Mas após o asfalto ainda faltavam cerca de 1.5km de trilhos duros até conquistar a Picota e eu só tive a percepção da real dificuldade em que seguiam os meus companheiros já tínhamos parado novamente à sombra a 1.2km do cume.

Resmungavam com o caminho, com o que faltava, com o tempo, com o piso, com a falta de água, com a ideia de terem aceite aquele desafio, basicamente, com tudo e com nada...
Eu tentava a todo o custo minimizar os efeitos do desespero, porque sei como ele nos morde, como ele nos esgota e nos consome todas as forças. Tentava manter o Pedro com um ânimo que lhe permitisse seguir adiante, mas, no meu intimo, adivinhava já o desfecho da etapa.

Lá fomos seguindo, cada um como podia. O Miguel, forte de pernas, compensava o desgaste mental com força de sobra e o Pedro arrastava-se como podia, por entre as grandes pedras e regos daquele meio quilómetro final até chegar ao pequeno largo que antecede a trepada, literal, ao cume da Picota.

Ainda o tentei convencer a vir connosco tirar a fotografia da praxe mas nem disso foi capaz. E tive que o demover de seguir sozinho direito a Monchique e quase pedir por favor que esperasse por nós para que seguíssemos juntos para a vila, por estrada.
E assim acabou por acontecer.

Eu e o Miguel trepámos os enormes calhaus que nos levaram ao cume e ao marco da Picota, deixando as bicicletas e mochilas cá em baixo, tirámos as fotos da praxe e voltámos ao encontro do nosso amigo, o mais depressa possível para com ele seguirmos em direcção a Monchique, abortando o pedaço de caminho que consistia em descer da Picota pelo bosque, que dizem ser brutal.

Já em Monchique, aproveitamos para nova paragem num café. O Pedro mantém a mesma ideia de seguir por estrada para Marmelete, destino final desse dia e a apenas 17kms de distância.

O Miguel dizia que por ele seguia em direcção à Fóia e à conclusão da etapa, mas eu via nos olhos dele a incerteza da jornada. Já o tinha visto stressar variadas vezes durante o dia de hoje, com a distância que faltava, com as horas que faltavam, com a água que lhe iam faltando, que não me inspirava nenhuma confiança em seguir com ele para o restante da etapa.
Ou então era eu, a acusar também uma moral quebrada e mais frágil. Bem mais frágil depois do que me aconteceu na GR22 ao que costumava ser.

Mas o que era um facto é que o que me parecia sensato era seguirmos os três por estrada, mantendo-nos unidos e não deixarmos um companheiro sozinho e não nos metermos aos dois no mato, sem condições de levarmos de vencida a montanha...
Agarrado a este pensamento acabo por dizer que sigo por estrada junto com o Pedro, sabendo que isso iria obrigar o Miguel a seguir connosco, por arrasto.

Uma atitude e decisão que ainda hoje não sei se foi a mais acertada, mas sei que pelo menos não colocou nenhum de nós em riscos desnecessários!

Subimos ao centro da vila de Monchique para o respectivo carimbo na Casa do Mel e do Medronho e daí seguimos até Marmelete.
O caminho foi rápido, mas foi exactamente a mesma distância do que seria pelo percurso oficial. Mais ou menos 17kms, que sinceramente foram um prazer, pelo suave piso e qualidade do asfalto. As dores nas pernas durante a subida larga que ainda tivemos que vencer foram sendo substituídas pelo imaginário conforto de um banhinho fresco e revigorante e que estava agora a pouco mais de trinta minutos de distância...


Paramos na Junta de Freguesia de Marmelete para recolher a chave do nosso alojamento no Casa do Povo e seguimos rampa acima na companhia da senhora que nos viu chegar.
Uma camarata nova a estrear, ainda sem roupas de cama ou outras comodidades além das camas e colchões, foi-nos cedida gratuitamente e a qual muito agradecemos.
Mostrou-se como o descanso do Guerreiro e digno de Reis.


O jantar foi no restaurante mesmo colado à Casa do Povo e por volta das 18h30, servido com toda a simplicidade, eficácia e simpatia por uma catraia com uns 16 anitos...
Um luxo com direito a Wifi e tudo!

Após a janta fomos até uma pequena mercearia e comprámos o pequeno-almoço para o dia seguinte. Para aquela que seria a última etapa desta aventura e foi aí que fui assaltado pela realidade...

Estávamos, finalmente, em Marmelete! Faltava-nos um dia, rolante, de 80kms, mais coisa, menos coisa. Com o desnível declarado seria um passeio no parque.
Ou como dizem os Bifes: "A walk in the park"...
Seria mesmo?! Lembro-me de pensar, ainda antes de adormecer?!


Resumo da Etapa:
Distância: +/- 45Kms
Subida acumulada: +/- 2100m D+
Tempo total: +/- H
Tempo em movimento: +/- H

O track GPS pode ser conseguido no sitio oficial da Via, aqui.
As fotos deste dia podem ser vistas seguindo este link.

[Continua...]

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