Páginas

domingo, 11 de outubro de 2015

XI Maratona BTT "Trilhos da Raia"

A última edição em que participara foi na VI Maratona BTT Trilhos da Raia, corria então o ano de 2010, e já há uns tempos que pretendia rever aqueles trilhos e matar saudades daquela maratona, organizada sempre exemplarmente pela ACIN.
Falei com a Sandra, vendi-lhe o meu peixe e convenci-a a acompanhar-me na edição deste ano, a 11ª.
Marquei a nossa estadia no Hotel Estrela da Idanha, em Idanha-a-Nova, para curtirmos um fim-de-semana de lazer e evitarmos a estafa da viagem durante a madrugada. No entanto e devido ao furacao Joaquim, o fim-de-semana saiu-nos um pouco "furado".
Muita chuva caiu desde sexta-feira à noite, sábado e madrugada de domingo, inclusive.

Assim, no sábado, arrancámos de Lisboa depois do almoço, renunciando à ideia de um passeio pela Rota dos Fósseis em Penha Garcia, chegando já depois das 18h a Idanha. Depois de confortavelmente instalados, fomos tratar de recolher os dorsais.
Encontramos a malta amiga da Casa do Benfica da Charneca da Caparica e com eles passamos os olhos pela exposição de fotografia dos 10 anos da ACIN.
Acabámos a noite a jantar no "Espetinho" por conselho da menina da caixa do supermercado em frente ao Hotel. Restaurante humilde, mas com um mestre na grelha a servir-nos uns secretos de porco preto e um bife de vitela grelhados na perfeição. As doses, bem servidas, deixaram-nos cheios até ao topo e o preço foi do mais simpático possível. Do melhor!

Voltamos para os nossos aposentos e damos uma olhadela no gráfico de desnível do percurso e analisamos os pontos críticos do mesmo, nomeadamente as subidas mais importantes.
Rimos, conversamos e passamos um bocadinho agradável antes de nos rendermos ao sono. Continuava a chover lá fora e por vezes de forma bastante intensa...


Acordo de esperanças renovadas, mas ao olhar pela janela rendo-me às evidências. O nevoeiro é tão intenso que custava a identificar as sombras para lá da janela do quarto e fazendo com que as lâmpadas amareladas dos candeeiros da rua, ainda acessos, dessem um ar meio fantasmagórico ao ambiente lá fora. A humidade tão espessa e pesada que aparentava poder ser cortada à faca...
Minutos antes de descermos a tomar o pequeno-almoço tinha voltado a chover.
O dia prometia e eu tentava imaginar o estado dos trilhos...
Faltavam pouco mais de vinte minutos para a partida quando abalámos do hotel e a chuva continuava a cair. E com alguma intensidade na altura em que percorríamos os 500m até ao Largo da Junta, onde iria ter inicio o arranque da prova.
Encontramos algumas caras conhecidas e eu aproveito para ir tomar a "bica" da praxe no café que já conheço.

Quando estamos a entrar na manga da partida avisto a atleta do grupo BTT Seia, a Elite Marju Kivit. Sabia que seria uma das adversárias da Sandra e digo-lhe isso. Seguimos, pedindo licença aqui e ali, até estarmos na 3ª ou 4ª fila de atletas quase debaixo do arco da partida. Tínhamos ganho o nosso espaço naquele aglomerado de gente, essencialmente composto por barulhentos espanhóis. Aproveito os minutos que faltam para verificar as nossas bicicletas e ainda colocar ar no pneu traseiro da Sandra. Esta estava concentrada de uma forma como poucas vezes a tinha visto até aí!
Continuava a chover, mas agora de forma menos copiosa. O nervoso miúdo cresce e a ansiedade pelo começo da prova aumenta.

É dado o sinal de partida e de repente, os perto de mil bikers inscritos em ambas distâncias, resumiam-se a uns 40, 50 atletas que se encontravam à nossa frente. Arrancámos na cabeça da corrida junto com todas as outras motas presentes. Inicialmente por uns quantos metros planos e depois a descer por empedrado molhado. A Sandra ganha-me uns 10, 15 metros de distância que eu tentava por tudo não perder. No meio daquele caos controlado seguíamos com velocidades bem acima dos 20km/h, em empedrado molhado, a descer pelo meio da vila. Sentia guiadores a tocarem-me nas nádegas, tocava com o meu guiador no rabo do gajo que ia à minha frente e volta e meia sentia o ombro de quem pedalava ao meu lado encostado ao meu... Todos a esmagar pedal, encontrando o equilíbrio como podíamos, a descer por um empedrado demasiado escorregadio. Ouvia-se o chiar constante dos travões molhados, o barulho característicos das correntes e transmissões a entrar em carga e vozes autoritárias a reclamar por espaço, por atenção... Um arranque tenso e poderoso!
Chegamos ao asfalto plano e liso e a velocidade aumenta à medida que aqueles 40, 50 atletas vão ganhando espaço entre eles. A Sandra seguia agora distante de mim uns 80 a 100 metros, muito por culpa da minha transmissão curta para tais velocidades.
Colado na roda de outro atleta. olho para o GPS e vejo que seguíamos a 42km/h. Continua a chover...
Entramos nos trilhos por um caminho entre muros.
Passam-me alguns atletas mas quem me chama a atenção é a Marju Kivi. Continuava a vislumbrar a Sandra, agora já novamente mais perto, já que tinha ganho algum terreno após a curva que antecedeu a entrada nos trilhos. Sigo motivado mas a pensar que aquele andamento ia ter uma elevada factura para pagar mais adiante. Continuávamos a rolar a velocidades superiores a 25km/h e com a entrada nuns trilhos brutais, rápidos e ladeados por muros de pedra antiga, voltamos novamente a ficar muito juntos, todos os atletas. Estes primeiros quilómetros foram, como mínimo, intensos!
Uma primeira subida, curta, em cimento, não chega para romper com aquela cadência demolidora e separar um pouco a malta. O andamento continuava Á muerte! 
Após esta pequena rampa e ainda antes de iniciarmos a primeira real subida da prova, com inicio ao km8 já estava colado na roda da Sandra, embora ela só se tenha apercebido disso bastante mais adiante.


Essa primeira subida, com parte dela feita por singletracks em terreno empinado e técnico durou muito pouco. Feita num ritmo bastante alto, passou num ápice. As raízes, regos e pedras misturadas com água e lama eram sinónimo de eventuais dificuldades que não chegámos a sentir. Outra malta, sim. Bem os via a patinar, a encostar e a apear. Ultrapassei vários atletas nesta fase do percurso, sempre a correr atrás de uma Sandra completamente irada e movida a "ganas"!
Seguíamos agora no nosso ritmo, com uma melhor gestão de esforço e entramos numa zona mais calma, com algumas pistas a permitir soltar as pernas e foi num instante que chegámos à base do monte que alberga a mítica povoação de Monsanto, onde haveríamos de encontrar o primeiro abastecimento onde mal parámos e posterior primeiro controlo.
Seguidamente teríamos pela frente a dura subida pela calçada romana atá ao alto da vila. Uma calçada romana antiga, molhada e resvaladiça, que me levou de vencido, obrigando-me a apear por mais que uma vez na tentativa vã de repor o ritmo cardíaco no limiar do aceitável.



Concluo a subida já depois de ter perdido novamente a roda da Sandra. Durante a ascensão àquela mole granítica fui ultrapassado por alguns companheiros que fui passar novamente nos singletracks técnicos que se seguiram. Uns a descer, outros a subir. A empinada subida antecedeu alguns dos caminhos mais técnicos e exigentes de toda a maratona.
A descida desde Monsanto foi também em calçada romana e leva a um trilho fininho recheado de grandes moles de pedra, escorregadias pelo musgo, água e lama que as cobriam. A pedir muito da destreza técnica em cima da bicicleta com algumas zonas realmente muito belas. Trilhos mesmo ao meu jeito e que conferem sempre adrenalina e entusiasmo a qualquer passeio de BTT. Aqueles quase 3kms foram absolutamente geniais. Singletracks de perder a cabeça, cheios de técnica, pedras e drops. Ainda me obrigaram a meter o pé no chão em duas situações em que não consegui manter tracção na roda traseira enquanto trepava alguns daqueles calhaus graníticos! Sem dúvida a parte mais divertida de todo o percurso e que fiz quase sempre sozinho, sem ver vivalma.
Nos entretantos, continuava a chover e eu corria nesta altura atrás do prejuízo, tentando agarrar novamente a roda da Sandra que continuava endiabrada.


Sabia que a próxima subida dura e realmente digna desse nome seria a que nos levaria a Penha Garcia e foi no início dessa parede que fui, novamente, encontrar a Sandra.
O piso, que encontrámos enlameado em toda a extensão do percurso, transformava-se numa verdadeira batalha nas subidas, altura em que era mais notório o esforço adjacente a pedalar com o pneu traseiro meio enterrado em lama, ora mais aquosa ora mais espessa, deixando sempre o piso muito "pesado" como se diz na gíria...
No inicio da tal subida a Penha Garcia, no inicio do bosque de pinheiros que iríamos ter que atravessar e ainda antes de me chegar à traseira da minha companheira, fui ultrapassado por uma atleta espanhola e pelo seu companheiro. Rolavam juntos, mais juntos que eu e a Sandra.
A Sandra seguia agora a 50 metros de mim, mais à frente. 50 metros esses que foram suficientes para ver a minha amada ser ultrapassada por aquela atleta após uma derrapagem forçada numa curva mais traiçoeira. Não sabia em que posição íamos naquela altura, mas deduzia que "seríamos" 3º na melhor das hipóteses e caso nenhuma das atletas que por mim já havia passado tivesse optado pela distância menor.
Acabo por conseguir apanhar a Sandra e ela diz-me que vai na 2ª posição!
E eu digo-lhe que vai em 3º pois tinha acabado de ser ultrapassada por uma adversária, coisa que ela nem tinha percebido.
A espanhola que acabara de passar aparentava ser de mais idade que qualquer um de nós, deduzi pelo cabelo grisalho que escondia debaixo do capacete. Tinha um ritmo sólido, subindo de forma compassada e descendo de forma bastante controlada mas expedita e eficazmente. Parecia ter um andamento bastante equilibrado e disse isso à Sandra na mesma altura em que lhe disse que não a deveríamos ultrapassar, quando a voltámos a apanhar.
Na minha opinião devíamos ir na roda dela, pressionando e criando desgaste na adversária, mas ao mesmo tempo recuperando nós alguma energia por seguir no "cone" da Espanhola. A Sandra concorda com a estratégia mas não se consegue controlar.
Numa altura em que somos todos obrigados a desmontar devido a uma parede demasiado enlameada para permitir aos pneus alguma tracção, e depois de algumas dificuldades em se voltar a montar devido ao excesso de lama nos sapatos e por irmos, literalmente, colados na Espanhola já a algum tempo, a Sandra vê-se a par com a adversária e não resiste, passando para a frente e pisando forte no pedal.
Eu fico ligeiramente para trás. O tempo suficiente para ver a outra crescer, eriçar o pêlo, tomar uma posição mais "racing" em cima da bicicleta e pisar no pedal, tão forte quanto a Sandra.



Ora bolas, pensei eu...
O companheiro dela sai com ela e eu saio também a esmagar pedal!
Por alguns quilómetros tivemos uma verdadeira corrida entre os 4. Elas, gladiando-se afincadamente e os gajos, nós, a proteger cada um a sua companheira, lutando entre nós, guardando a melhor trajectória para a sua parceira.
No entanto, a espanhola tinha já ultrapassado a Sandra num subida que ambas fizeram a fundo. Mas seguia sozinha já que eu ia conseguindo manter o companheiro dela atrás de mim e da Sandra, impedindo de alguma forma que formassem comboio e obrigando-nos a nós a correr atrás do prejuízo!
Os caminhos mantinham-se absolutamente enlameados, com poças enormes volta e meia. A chuva era uma constante, mas nesta altura pouco ou nada a sentia. A seguir a par com a Sandra acabei por mais que uma vez por levar banhos enormes de água castanha das poças por onde entrávamos a todo o gás... Uma das vezes a "onda" desencadeada pela roda 29 da Sandra foi de tal ordem grande que desapareci, da cintura para baixo, debaixo de um mar de água castanha. De tal forma que até o Espanhol que seguia uns metros atrás de nós, levou com água nas ventas e reclamou por isso.
O ritmo que o nosso quarteto levava era simplesmente brutal. Já tínhamos passado Penha Garcia e aproximávamos-nos a passos largos de mais um abastecimento.
Seguíamos sozinhos, ou pelo menos ninguém mantinha o ritmo demoníaco com que íamos a enfrentar os pesados caminhos que se nos abriam diante dos olhos. Quem ia surgindo à nossa frente, mais cedo ou mais tarde acabava ficando para trás...
Lama e mais lama, água e mais água, num cenário horrífico que se estava a reflectir no estado e condição do material. Nós seguíamos absolutamente encharcados até aos ossos, mas era o material das bicicletas que mais se estava a ressentir com a inclemência das condições.
Foi por isso que optámos por parar ao chegarmos ao abastecimento. Fisicamente, tanto eu como a Sandra estávamos a tope! Com a adrenalina a bombear forte no sangue, nem frio nem cansaço eram palavras ou sensações que nos ocupassem os sentidos.
Os nossos "espanhóis" não param. Agarram numa fruta cada um e seguem caminho, numa estratégia claramente de ataque. Mas nós optámos por parar. Paramos, comemos convenientemente, hidratamos e sobretudo, lavamos transmissões e colocamos óleo em ambas.
Tudo em formato "Formula 1" com a devida paragem a não demorar mais do que o estritamente necessário. Trato da bike da Sandra antes da minha, ela despacha-se e arranca. Eu fico mais um minuto para terminar de lavar os meus óculos e entretanto chega o Bruno e o Hugo da Casa do Benfica! Umas palavras muito breves e despeço-me deles para me enfiar de novo ao caminho, novamente atrás da Sandra que já ia, também ela, atrás da Espanhola.


Saímos deste abastecimento com a informação dada pelos elementos da organização que teríamos que enfrentar um duro troço de caminho devido ao muito barro. A lama aquosa dava lugar a uma pasta semelhante a barro e que, de forma inglória e frustrante, ditou o fim da nossa aventura e da nossa corrida por um lugar ao "Sol"!
Quando ultrapassámos aquele pesadelo encontramos a espanhola ainda a retirar lama dos sapatos. A cara dela era o espelho do que lhe ia na alma. Por uns segundos os nossos olhares cruzaram-se, no instante exacto antes dela se voltar a montar no selim, mas foram absolutamente reveladores do desalento e cansaço que estava a acusar. E para além disso, estava sozinha. Começava a acusar mais cansaço, ou pelo menos assim aparentava, que eu ou a Sandra.
Ela segue e nós ficamos a retirar os quilos de lama que estavam agarrados a todos os recantos das nossas bicicletas. A Sandra liberta-se da lama mais depressa que eu e segue caminho atrás daquele 2º lugar num pódio inimaginável há umas horas atrás e agora tão "palpável".
Eu levo um ou dois minutos mais a fazer-me ao caminho. O meu travão traseiro recusava-se a cooperar e não o conseguia colocar no sitio. Apresentava já sinais de desgaste avançado. A Sandra também já vinha com problemas nos travões fazia algum tempo. Ouvi-a reclamar vezes sem conta que estava sem travão traseiro desde o km40, mais coisa menos coisa e à frente tinha um "abrandador".



Seguíamos agora numa zona de pinhal, e a determinada altura, surge nova rampa que vencemos com as bicicletas às costas, seguida de mais uns trilhos relativamente à cota. Seguia com a Sandra ao alcance da vista e a determinada altura, após uma descida curta, vejo a minha companheira parada no meio do trilho de duplo rodado a olhar para a bicicleta.
Continuava a chover e agora com alguma intensidade.
Parados, tentamos perceber o que se passa com o sistema de mudanças traseiro que não se mexe para além da 3, 2 e 1ª velocidades.
Em menos de nada apanham-nos o Hugo e o Bruno. Os 4 a olhar para o sistema e não descortinamos o eventual problema. Gasto toda a minha água na tentativa inútil de lavar o sistema e perceber se haveria alguma pedra, areia, pau ou detrito de qualquer espécie que impedisse quer o desviador traseiro quer o shifter direito de funcionarem. Nada encontramos.
O frio atinge-nos de forma avassaladora. Quando dou por mim, já tremo, encharcado como se tivesse entrado dentro de água, vestido. A Sandra cheia de arrepios diz para largarmos aquilo e seguirmos... como pudermos...
Os companheiros do Benfica acedem, eu acedo e arrancamos novamente, mantendo a esperança que fosse possível, de alguma forma, recuperar as mudanças da bicicleta da Sandra e voltar a correr atrás do prejuízo e da Maite Paveso, a "nossa" espanhola... Mas não foi!
As descidas passaram a ser feitas a mil à hora, comigo a ouvir a Sandra a dizer por muitas vezes "Ai mãe! Ai mãe!" enquanto descia rampas e caminhos abaixo sem conseguir abrandar o suficiente para as descer em segurança, e comigo sempre à espera de quando iria acontecer a queda que, felizmente, nunca aconteceu. As subidas eram feitas com as mudanças possíveis e quando era preciso puxar pelo "coração" e pela "garra", estas pareciam ter abandonado a nossa dupla!
A desmotivação, o desânimo e a frustração instalaram-se, tomando conta da Sandra e em parte de mim também.
Os planos eram as secções mais frustrantes e felizmente houve poucos até novo controlo e terceiro posto de abastecimento. Aqui, uns poucos metros antes, tentámos ainda lavar as bicicletas num chafariz à boca da povoação onde estávamos a entrar e dar nova vista de olhos ao sistema. Mas nada encontrámos nos primeiros minutos e rapidamente entrámos novamente num estado de enregelamento que não nos permitia perder muito tempo ali parados sem corrermos o risco de apanhar uma pneumonia ou entrar em hipotermia.
A minha frustração por não conseguir solucionar o problema de forma célere e eficaz não era mais pequena que a frustração da Sandra por ter que deitar a toalha ao chão e assumir tão inglória derrota. Só não o podia demonstrar...
Chegamos ao controlo/abastecimento uns metros mais à frente. Levávamos nesta altura 60kms percorridos e fisicamente estávamos impecáveis. Moralmente a conversa era outra...
Petisco mais qualquer coisa enquanto a Sandra fala com as senhoras do abastecimento que lhe perguntam se pretende abandonar e desistir ali. Ela diz que não e que irá seguir até final!
Ainda não tínhamos arrancado e chega novo casal. Ambos num ritmo tranquilo, param e dão dois dedos de amena e descontraída conversa com restante malta. A Sandra monta-se em cima dos pedais e arranca do controlo numa tentativa vã de manter o seu actual terceiro posto.
Voltamos a passar os companheiros Benfiquistas parados uns metros mais à frente e ainda dentro da povoação. O caminho é absolutamente plano ou com muito poucas inclinações. Apenas a imensa lama e enormes poças de água nos trilhos impediam alguém de circular a velocidades bastante altas. A nós, era o facto de não termos mudanças...
A Sandra ia a pedalar "em vazio", ou a "bater claras" como também se costuma dizer! Circulávamos a uma média de 12km/h onde deveríamos ir a 25 ou 30km/h.
Rapidamente somos apanhados pelo casal que tínhamos visto chegar ao controlo, uns minutos antes. Ultrapassam-nos em amena cavaqueira e em ritmo de passeio, que ainda assim era bastante superior ao nosso.
A Sandra não resiste à sensação que lhe crescia no peito desde há umas horas. Rebenta em lágrimas de desânimo e de frustração. Via na cara dela toda a raiva por não controlar a situação e toda a tristeza por ter que abandonar a luta de forma tão injusta. Não nos reconhecia naquele momento. Uma "pareja" dura de roer, fisicamente capaz de lutar até aos metros finais mas completamente derrotada psicologicamente, arrastando a moral pela lama, literalmente...
Seguimos calados, sem que me fosse possível fazer nada pela moral da minha companheira, ou pela minha. O tempo mantinha-se uma merda, com chuva intermitente e frio... esse sacana que agora começava a ganhar lugar no corpo que já não conseguíamos manter quente debaixo da roupa completamente ensopada em água e lama.
Algures perto do km75 somos apanhados por uma chuvada realmente forte e intensa. A Sandra que, sem moral apeava em quase todas as subidas mais duras, pede-me o impermeável para vestir. Vi naquele momento nos olhos dela o quanto ela não queria estar ali, mas nada disse. Nem eu, nem ela. Veste o impermeável e segue empurrando a bike rampa acima. Paramos no topo desta e comemos meia barra cada um. Eu tomo mais um gel. E é neste intervalo que somos novamente apanhados pelos companheiros do Benfas, para não mais os vermos até final.
Já pouquíssimos atletas víamos, e os que connosco se cruzavam traziam nas expressões toda a dureza da prova, toda a inclemência das condições. Ouve alguns companheiros que, ao nos ultrapassarem, mandavam o tradicional bitaite do "Está quase" ou "Já faltou mais"... E eu, por mais que uma vez achei que ia sair um "Vai pr'o caralho" da desmoralizada Sandra, mas nada mais que uns grunhidos quase imperceptíveis... Estava a ser difícil para ela gerir tamanha frustração...
E estava a ser difícil para mim gerir o desânimo dela, mas nada podia fazer. Lá ia largando uma piada aqui ou ali, mas no compito geral, mantinha-me caladinho que nem um pinto. Sentia-me pequeno...
Os quilómetros iam passando devagar e demolidores para o material. O meu travão traseiro tinha entregue completamente a alma ao criador uns quilómetros mais atrás e os da Sandra já mal cumpriam a função de abrandar... Muitas das descidas foram inconsequentes e perigosas mas nada havia a fazer. Foi um pedaço de tempo de cruzar os dedos e esperar pelo melhor.
Somos alcançados por um companheiro que nos indica que o próximo abastecimento iria surgir por volta do km80 e assim foi. Mal paramos, mesmo apesar de este ter aparecido depois da zona mais "rompe-pernas" destes últimos 20kms.
Lembro-me de pensar, completamente gelado, que faltavam somente 16.5km para o final e que sabia serem rolantes. E terrivelmente lentos no nosso caso!
Mas devagar se vai longe e lá chegamos à base daquela que foi a última subida do nosso pouco cansativo mas muito triste dia. A calçada de acesso à povoação de Idanha-a-Nova, pelo seu lado Sul. Terrivelmente empinada e intensa foi quase toda feita apeados, tranquilamente. Trazíamos já a moral um pouco mais recomposta, ou pelo menos a Sandra já falava novamente, mais que não fosse para maldizer da escolha daquela rampa e da violência da mesma! A voz da frustração e cansaço moral em todo o seu esplendor. Caso a luta por um lugar no pódio estivesse ao alcance, tínhamos subido aquela rampa com lume no cú!



Estávamos a menos de 1.5km do final e isso era sinónimo de que, pelo menos, havíamos completado a jornada e isso já ninguém nos podia tirar. E olhávamos para trás e víamos que nem sequer éramos os últimos...
A determinada altura, a Sandra ganha um pouco de fôlego e diz-me que bonito era ainda conseguirmos ultrapassar o companheiro espanhol que seguia a nossa frente. Esgueira ares de fazer um ataque, pisa no pedal e ultrapassa-o, sempre a subir. Mas desiste da atitude e esmorece uns metros mais à frente. Tenho que lhe dar dois berros, picar-lhe aquele rabo e dizer-lhe para se deixar de mariquices! Ela lá acorda para a vida e vai buscar forças à garra que tem. Entra no recinto da feira à minha frente e atiro-lhe um "tu tem cuidado" porque esperava a entrada tradicional no recinto, que acabou por não acontecer, tendo sido a desta edição bem mais fácil que todas as outras em que participei...



A miúda agarra-se com unhas e dentes aos travões para conseguir fazer abrandar, mal e porcamente, aquele bicho de 15kms e mais uns quantos de lama, para entrarmos na manga final e cruzarmos a meta juntos, para assim darmos por terminada a prova que menos prazer nos deu em concluir. A minha companheira não conseguia esboçar nenhuma emoção, nem um sorriso, nada...
Isso apenas aconteceu quando percebeu que não havia sido a última mulher a cruzar a linha de chegada e que quem chegou depois dela era uma das atletas que eu tinha como candidata a um dos lugares do pódio.



A prova tinha sido dura para todos os que nela participaram e mais dura ainda para todos os que a terminaram. Na distância maior, dos 250 a sair na partida, apenas concluíram a prova 104, o que demonstra bem a exigência e dureza do percurso e condições que enfrentámos todos.
Mas o que nos desiludia era a certeza que reuníamos todas as condições físicas e psicológicas para ter outra prestação e ter concluído a maratona num tempo canhão. Reuníamos as condições para que a Sandra tivesse feito um brilharete e ter sacado um "Top 3" numa das provas mais exigentes em que já havia participado. Mas quiseram as sortes que fossemos derrotados por uma questão mecânica.
Talvez fosse o Universo a conspirar para que nos servisse de lição, talvez para nos tornar mais humildes, talvez para nos ensinar que na vida o que interessa não é o destino mas sim a viagem que se faz até lá chegar (tão cliché!)... Talvez isso tudo e muito mais. Talvez para nos obrigar a descobrir ainda mais sobre nós próprios, do que somos capazes, mas acima de tudo, do que precisamos melhorar!

Saímos de Idanha, no entanto, com a certeza que fizemos o que podíamos e deixámos tudo o que tínhamos para deixar naqueles trilhos e durante os primeiros 50kms fizemos uma prova de grande nível. Andámos com os da frente durante algum tempo, fizemos uma saída de topo e mostrámos a nós mesmos que temos nível para nos batermos com malta do aço e aspirarmos a mais... Bastante mais!

Em relação à organização, nada a apontar de negativo. As marcações estiveram impecáveis e sempre nos lugares certos. Os abastecimentos estavam ao mesmo nível do que me lembrava, com várias frutas, barras energéticas, barras proteicas, marmelada, bolos secos e húmidos, sumos, águas e calor humano!
Faltou talvez um outro apontamento num ou outro abastecimento para ajudar na mecânica, como mangueiras com água já que as condições estiveram mesmo muito duras. Óleo e afins não digo que tenham que ter porque isso deve fazer parte dos itens a transportar por cada atleta.
Os banhos estavam a ferver como constataram os nossos companheiros da Casa do Benfica - assim como o nosso, tomado no quarto que o Hotel nos voltou a disponibilizar  - e o almocinho sempre afinado, com o porco no espeto a não desafinar, animando o estômago e recompondo o corpo e ânimo.

Em resumo, uma prova ao nível das melhores, com trilhos e paisagens brutais - quando possíveis de apreciar - e que exige da malta algum empenho para a concluir, principalmente em dias menos bons. No dia de hoje, a palavra que me ocorria ainda não tinha terminado a jornada era "Épica" e ainda hoje concordo com ela.

Foi, sem sombra de dúvidas, um dia épico e memorável!
Mas, mesmo sem querer e inconscientemente, penso que ambos ficámos com vontade de lá voltar para o ano, novamente! Mais que não seja, num tira-teimas moral de adoçar o amargo de boca com que fomos brindados este ano...
E com alguma sorte, que eu não tenha que saborear tanta lama, literalmente, como a que mastiguei e engoli nesta XI edição!

O track GPS pode ser encontrado na localização do costume, seguindo este link.
A maioria das fotos apresentadas nesta crónica são da autoria do fotografo Nuno Maia.
A totalidade das fotos pode ser vista aqui, na página da ACIN.

Vemo-nos por aí.
Abraçorros!

Sem comentários:

Enviar um comentário